Título: Missão multilateral no Sudão
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Fonte: O Globo, 14/07/2011, Opinião, p. 6

A Assembleia Geral da ONU vota hoje a admissão do seu 193º país-membro - o Sudão do Sul, que ganhou a independência no sábado como corolário de um acordo firmado em 2005, com forte apoio americano, e que encerrou a mais longa guerra civil na África. O acordo instituiu um referendo, realizado em janeiro passado, no qual 99,8% dos habitantes do Sul votaram pela criação do novo país, que engloba dez estados meridionais do Sudão. O presidente é Salva Kiir, que assumiu a chefia do principal movimento rebelde, o Exército Popular de Libertação do Sudão (SPLA), em 2005, após a morte do líder John Garang num acidente. O católico Kiir prometeu realizar eleições em 2015.

O Sudão é um dos países mais pobres da África, e o Sudão do Sul é muito mais pobre que ele. Noventa por cento de seus 8,5 milhões de habitantes vivem na pobreza (50% no Norte); o analfabetismo entre adultos chega a 85% (no Norte, 40%); 48% das crianças até 5 anos sofrem de desnutrição (35%); menos de metade da população tem acesso a água potável (58,7%).

As diferenças não param por aí. A maior parte do Norte é desértica, sendo fértil apenas o Vale do Nilo; o Sul é verde, tendo desde vegetação rasteira e pântanos até florestas tropicais nas duas margens do Nilo. O Norte é 48% árabe e muçulmano, enquanto o Sul abriga várias etnias que seguem crenças tradicionais africanas e, em menor parcela, o cristianismo.

O Sudão é o terceiro maior produtor de petróleo da África (500 mil barris/dia), e esse é o trunfo do novo Sudão do Sul, que tem a maior parte das reservas e 75% da produção. Contudo, as refinarias, o porto e os oleodutos estão no Norte. Pelo acordo de 2005, 50% da receita do petróleo ficam com o novo país, mas o acerto deve ser revisto após a independência.

O Sudão vive em guerra praticamente desde a independência em relação à Grã-Bretanha, em 1956. Os árabes do Norte sempre ditaram as regras. O conflito civil matou cerca de 2,2 milhões de pessoas. A exclusão forçada da população não árabe levou à rebelião também da região Oeste do país, Darfur. A ONU estima que cerca de 300 mil pessoas tenham morrido e 2,7 milhões fugiram da destruição de suas casas, aldeias e lavouras, numa das maiores crises humanitárias da História. Por tudo isso, o presidente do Sudão, Omar al-Bashir, tem contra ele um mandado de prisão expedido pelo Tribunal Penal Internacional (TPI), em 2009.

A criação do novo país traz com ela a esperança de paz para uma população que já luta em outras guerras - contra a fome, doenças, analfabetismo, exclusão social e tantas outras dificuldades. Mas é óbvio que o Sudão do Sul só poderá caminhar com suas próprias pernas se for decisivamente ajudado pela comunidade internacional, com destaque para a ONU e os Estados Unidos, promotores do acordo de 2005. A China, maior compradora do petróleo sudanês, tem sua parcela de responsabilidade.

Há enormes obstáculos pela frente e o maior deles são as relações com o governo que primeiro reconheceu o Sudão do Sul: o de Omar al-Bashir. Este é o caso em que o maior perigo mora ao lado.

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