Título: Sob olhares, América Latina vai às urnas
Autor: Verdini, Liana
Fonte: Correio Braziliense, 17/08/2009, Economia, p. 10

Investidores e agências de risco estão atentos a países como Bolívia, Argentina e Venezuela. Brasil não preocupa porque, segundo especialistas, soube superar as desconfianças de 2002

Investidores e analistas de agências de classificação de risco ¿ as chamadas empresas de rating ¿ começam a demandar informações a gestores de recursos sobre o ciclo eleitoral que se inicia na América Latina. A partir de outubro e até o fim do ano, três países da América do Sul ¿ Uruguai, Bolívia e Chile ¿ e mais Honduras, cujo presidente foi deposto, passam por eleições presidenciais e legislativas. Em 2010, será a vez de Colômbia, Brasil e Venezuela, este último escolhendo apenas os novos integrantes do Parlamento. Em 2011, Peru e Argentina enfrentam as urnas. Por fim, o ciclo se encerra com México e Venezuela, em 2012.

Com tantos países escolhendo seus líderes em um curto intervalo de tempo, os administradores de investimentos e institutos internacionais apuram o olhar sobre a América Latina. A RGE Monitor, do economista Nouriel Roubini, incluiu informações sobre as eleições na região em seu relatório de julho de 2009 sobre as perspectivas para a economia global.

¿As eleições, de fato, entraram no radar dos investidores¿, diz Ítalo Lombardi, economista de Mercados Emergentes da RGE Monitor. Ele lembra que muitos governos, para enfrentar a crise, adotaram medidas de estímulo à economia adicionando gastos não programados em cima de uma arrecadação menor do que a prevista, comprometendo parte do ajuste fiscal dos últimos anos. ¿Além disso, muitos implantaram políticas assistencialistas, iniciando programas sociais pesados. Tudo isso pode gerar algum tipo de preocupação nos investidores¿, completa.

Brasil Este, conta Lombardi, é justamente o caso do Brasil. ¿O que vemos é que os gastos do governo estão crescendo e não há sinalização de que conseguirá reduzir. Assim, a situação de médio para longo prazo pode ficar apertada¿, explica. ¿Mas o Brasil não é um país que preocupa tanto os investidores e as agências de rating.¿ Faz coro com ele Luiz Eduardo Franco de Abreu , diretor presidente da NSG Capital, administradora de recursos independente que busca atrair investidores globais qualificados para o mercado brasileiro. ¿Tenho conversado muito com os investidores estrangeiros e eles não estão muito preocupados com as eleições no Brasil¿, conta.

Abreu diz que os investidores já sabem que dificilmente haverá uma mudança radical na política econômica. ¿Não se fala mais em mudança no modelo econômico¿, exceto, adverte o especialista, quando os países envolvidos são Argentina e Venezuela. ¿Hoje, quem aplica está mais interessado em saber como o dinheiro público será gasto do que se o governo vai interferir na economia.¿

No mês passado, o German Institute for International and Security Affairs (SWP) também produziu um relatório sobre as eleições na América Latina, disponível em sua página na internet. Logo na abertura, chama a atenção para o que ocorreu nas eleições legislativas de 28 de junho na Argentina. Um enfrentamento na Justiça entre oposição e governo questiona um grande número de candidaturas. O relatório diz: ¿A Argentina, assim, aderiu às fileiras dos países como Bolívia e Venezuela, onde eleições não servem apenas como uma fonte de legitimação democrática e uma forma de supervisão política, mas também são utilizadas por governistas e forças da oposição em determinadas situações como um meio para expandir seus próprios poderes¿.

Referência Tanto interesse não é sem motivo. O diretor presidente da NSG Capital conta que Associação Internacional de Private Equity aponta o Brasil como melhor oportunidade. ¿Melhor do que a Rússia e no mesmo nível de China e Índia¿, diz Abreu. E Lombardi completa: ¿Tenho visitado muitos clientes e o interesse pela América Latina tem aumentado muito. O Brasil está no topo. Afinal, a relação risco-retorno é muito atrativa¿.

O economista do RGE Monitor frisa que quem está aplicando recursos por aqui começa a olhar para os fatores determinantes de longo prazo, como o andamento dos projetos de reforma. ¿Os países emergentes estão batendo em barreiras estruturais, como gargalos em rodovias, portos, energia, abastecimento¿, avalia Lombardi. ¿Neste momento, com a economia apresentando capacidade ociosa, não é um problema. Mas quando a economia voltar a crescer, a infraestrutura pode ser um fator a frear todo o processo.¿

De qualquer modo, Lombardi não acredita que o nervosismo pré-eleitoral visto em 2002, com a fuga de investidores, a disparada do dólar e a queda das ações, vá se repetir. ¿Não devemos assistir a uma situação como a enfrentada naquela ocasião. Acredito que os investidores enfrentarão este período com mais tranquilidade.¿

Profeta Conhecido como ¿doutor Apocalipse¿, Nouriel Roubini foi o primeiro a prever o estouro da bolha imobiliária americana. Sempre mais pessimistas do que a média adota pelos especialistas de primeira linha, suas análises chegaram a contextualizar a inevitável onda de falências bancárias a partir dos Estados Unidos, que mais tarde se espalhou pelo mundo. Por ter acertado em cheio, Roubini se transformou em uma espécie de celebridade do cenário econômico.