Título: Discussão bizantina
Autor:
Fonte: O Globo, 11/07/2011, Opinião, p. 6
TEMA EM DISCUSSÃO: Unificação do horário de atendimento no Judiciário
O Poder Judiciário brasileiro tem a obrigação de atender aos cidadãos a qualquer hora, do dia ou da noite, nos casos de perecimento de direito. Tem feito assim há anos. Todos os tribunais, seguindo orientação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), têm um regime de plantão. Os juízes plantonistas são obrigados a atender aos casos urgentes, mesmo que seja em suas próprias casas ou durante a madrugada.
Deve-se salientar que os juízes não recebem, por isso, hora extra ou qualquer outro emolumento ou contraprestação. Esse dever decorre da atividade jurisdicional. Isso porque o juiz não está limitado a um horário de trabalho predefinido: embora deva estar presente nos fóruns diariamente, durante o expediente regular, o seu compromisso maior é com o estudo dos casos, com o julgamento dos processos em prazo razoável, com o cumprimento das metas, ainda que para isso tenha que trabalhar nos fins de semana e feriados. Um juiz que simplesmente cumprisse sua carga horária no fórum sem estudar e julgar, com um mínimo de eficiência, os processos que lhe são distribuídos, não se poderia dizer um bom juiz.
Isso apenas mostra que, às vezes, perdemo-nos em discussões bizantinas e deixamos de lado o que realmente importa. Recentemente o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) uniformizou o horário de atendimento ao público em todos os órgãos do Poder Judiciário no país. A resolução foi recentemente suspensa pelo Supremo Tribunal Federal. Segundo o ministro Luiz Fux, poderia causar graves prejuízos ao Poder Judiciário e aos próprios jurisdicionados, na medida em que desconsiderou algumas peculiaridades locais e também porque pode ter violado o princípio de autonomia dos tribunais.
De fato, o raciocínio exposto pelo ministro Luiz Fux é irretocável. Para cumprir a resolução determinada pelo CNJ, alguns tribunais precisariam contratar mais servidores, aumentando o gasto público sem previsão orçamentária. Em outras localidades, como na Região Norte, é costume que os serviços públicos e privados não funcionem no horário de calor mais intenso. A nova norma acabaria por pesar no bolso do cidadão e alterar a vida das pessoas sem assegurar, necessariamente, maior eficiência no atendimento ao público e no julgamento de processos.
É bom que se diga que a resolução do Conselho não alterou a jornada de trabalho dos servidores do Poder Judiciário, que, pelo menos desde 1990, é de quarenta horas semanais, por força da Lei 8.112. A resolução trata do horário de atendimento ao público. Muitos serviços privados, como bancos, shopping-centers e supermercados, também têm horário de atendimento ao público e horário de funcionamento interno diferenciados.
A questão que realmente importa é: a uniformização do horário de atendimento ao público trará maior eficiência para o Poder Judiciário? Não necessariamente. A autonomia de todos os tribunais deve ser exercida justamente para ajustar pontos como esse aos costumes locais. A lição que fica de tudo isso é que, antes de debatermos determinadas questões, deveríamos nos perguntar se são, de fato, as que importam. Do contrário, ficaremos presos aos lugares comuns.
GABRIEL WEDY é presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe). NAGIBE DE MELO J. NETO é vice-presidente da Ajufe na 5ª Região.