Título: Negociação substitui o linchamento
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Fonte: O Globo, 12/07/2011, Opinião, p. 6

A questão dos royalties do petróleo evoluiu positivamente nas últimas semanas, com considerável salto de qualidade nessa discussão. No lugar de um linchamento de estados e municípios produtores, como vinha ocorrendo, estabeleceu-se um diálogo construtivo, partindo do princípio que uma distribuição dos royalties que contemple os não produtores não precisa ser feita em sacrifício de qualquer ente federativo, em especial o Rio de Janeiro.

Pelo regime de partilha que a União decidiu adotar para a produção de futuros blocos do pré-sal, o governo previu uma participação direta de estados e municípios não produtores nos royalties. Mas é possível que essa receita só venha a se materializar mais para o fim desta década, e há uma pressão política para antecipação desses recursos.

A proposta negociada entre governadores envolveria a emissão de títulos federais que seriam lastreados na receita futura do pré-sal. Mesmo que tais recursos se destinem a investimentos nobres em educação e saúde - como sugerido -, não seria uma operação adequada para as contas públicas. Embora o pré-sal seja altamente promissor, na indústria do petróleo nunca é possível estimar receitas sem que se façam muitas pesquisas prévias, perfuração de poços, testes de longa duração, etc..

Essa proposta talvez tenha sido imaginada pressupondo-se que a União resistiria, como o fez, a abrir mão de receitas de royalties no presente. A alternativa sugerida contornaria esse obstáculo.

Ora, toda essa celeuma surgiu a partir de uma justa reivindicação por melhor distribuição de recursos tributários entre os entes federativos. Mas o problema não está entre os estados e municípios, mas sim em uma concentração excessiva de arrecadação na União.

Em vez de uma queda de braço entre os estados, o correto seria que todos se aliassem por uma nova repartição das fatias destinadas à União e aos demais entes federativos. Este é o xis da questão.

O diálogo que se estabeleceu agora entre os governadores pode mudar o foco do debate. Para o Rio de Janeiro e o Espírito Santo, a receita de royalties é expressiva, em termos absolutos e relativos. Para a União, nem tanto. Por via direta e indireta, o Tesouro se beneficia, e muito, dos resultados da indústria do petróleo, e pode perfeitamente reduzir sua fatia na receita de royalties para que estados e municípios não produtores compartilhem dessa riqueza até mesmo antes que o pré-sal gere os resultados esperados (e nos quais os não produtores terão parcela assegurada, conforme a fórmula que foi negociada pelo governo Lula com os estados produtores).

O importante é que um episódio que caminhava para um terrível antagonismo entre estados e municípios, com repercussões políticas negativas imprevisíveis e uma disputa judicial das mais difíceis da história do país, agora se desloca para o entendimento e fortalecimento do sistema federativo.

O petróleo, sabe-se muito bem pela experiência internacional, é uma riqueza que pode servir para o bem e para o mal. No caso brasileiro, espera-se que sirva apenas para o bem, e a superação do embate sobre os royalties seja um exemplo disso.