Título: De aventureiro a homem hesitante
Autor: Duarte, Fernando
Fonte: O Globo, 18/07/2011, O Mundo, p. 23
O SEGUNDO pedido de desculpas de Murdoch nos jornais britânicos
Quando Rupert Murdoch chegou a Londres, há uma semana, para salvar seu império midiático, ainda tinha o aspecto de aventureiro que o fez famoso. Desafiante aos 80 anos, como nos velhos tempos, deu-se ao luxo de passar entre os fotógrafos com a menina de seus olhos, Rebekah Brooks. ¿Qual é a sua prioridade?¿, perguntaram a ele. ¿Esta é a minha prioridade¿, disse, apontando para a diretora-executiva da News International e ex-editora dos tabloides ¿News of the World¿ e ¿The Sun¿.
Uma semana depois, Rebekah se viu forçada a demitir-se; seu antecessor na News International e até sexta-feira homem forte do ¿Wall Street Journal¿, Les Hinton, também teve que pedir a conta; o próprio Rupert Murdoch e seu filho James tiveram que dar a marcha a ré e aceitar, a contragosto, a exigência da Câmara dos Comuns britânica que se apresentem na terça para depor à comissão de Cultura. O magnata teve ainda que se reunir às pressas com a família da menina Milly Dowler, para expressar-lhe arrependimento depois que um dos jornais grampeou o celular dela, quando estava desaparecida. Murdoch também assinou a mensagem de desculpas publicada no sábado e ontem pela imprensa britânica.
Tudo isso, metade marcha a ré forçada e metade campanha de relações públicas, soma-se à catástrofe econômica de ter tido que fechar o ¿News of the World¿ e renunciar, ao menos por um tempo, à compra de 100% das ações da BSkyB. Murdoch está acostumado a enfrentar grandes crises. Mas desta vez ele deu um golpe que pegou o mundo de surpresa: o fechamento do ¿News of the World¿. E dizem que não foi ideia sua, mas de seu filho, James, apontado como herdeiro antes da crise.
Agora, porém, aquela decisão parece cada vez mais um terrível erro de cálculo. Primeiro porque, se a ideia era fechar o tabloide para ficar bem e ampliar a publicação do ¿Sun¿ para todos os dias, essa opção parece insensata e cínica. E segundo porque o fechamento do ¿News of the World¿ não só não amansou as feras, como também aumentou seu apetite: os deuses querem mais sacrifícios. E os tiveram: Rebekah e Les Hinton. Esta marcha deixa James na linha de fogo. Talvez descartado como sucessor. ¿James e Rebekah ferraram a companhia¿, disse Elisabeth Murdoch, filha mais velha de Rupert, numa festa, segundo o jornalista Michael Wolff. Colunista da ¿Vanity Fair¿ e ensaísta, Wolff conhece bem Murdoch, sendo autor de uma de suas biografias mais célebres, ¿O homem que é dono das notícias¿.
O futuro do império de Murdoch depende de duas coisas: como acabarão as investigações políticas e judiciais abertas sobre as escutas telefônicas do tabloide, no Reino Unido e nos Estados Unidos; e o impacto que essas investigações terão na opinião pública.
Quando Murdoch começou a criar seu império ¿ primeiro ampliando o negócio de seu pai na Austrália e, depois, entrando no mercado britânico com ¿The Sun¿, ¿News of the World¿ e ¿The Times¿, e, por fim, nos Estados Unidos (Fox, ¿The New York Post¿, ¿The Wall Street Journal¿/Dow Jones) ¿, ele passava uma imagem forte de si à opinião pública. Mas esta semana aquele Murdoch parece ter sido substituído por um homem arrasado e hesitante.
Alguém pode imaginar Murdoch sem tabloides? Michael Wolff assegura em sua biografia que o magnata adora os ambientes canalhas de jornalistas em meio à bebida, ao cigarro e às mulheres, e que detesta o ambiente profilático e sereno das redações do ¿Wall Street Journal¿. Mas isso não o impediu de ser pragmático e mudar o ¿Sun¿ e o ¿News of the World¿ do histórico quartel-general de Bouverie Street à Wapping. Ou de levar o ¿New York Post¿ da South Street, infestada de ratos, aos escritórios da News Corporation, na Sexta Avenida.
Murdoch e os tabloides parecem ser inseparáveis. ¿Para Murdoch, a palavra tabloide significa imediatismo, agudeza, eficiência e emoção; é a notícia em sua forma mais visceral e poderosa de entretenimento¿, escreve Wolff. A verdade é que os britânicos incorporaram os tabloides à sua vida cotidiana, e fizeram Murdoch rico. ¿Os tabloides se tornaram os meios mais poderosos, oferecendo as grandes notícias, marcando a agenda, elegendo políticos, mudando a cultura¿, escreve Wolff.
Esta simbiose que Murdoch encontrou com a classe operária britânica não funcionou no mercado americano, onde desembarcou nos anos 70, com a ideia de impor o mesmo formato de tabloide que no Reino Unido. ¿Murdoch crê que o que distingue o que ele faz do jornalismo das classes altas não é uma questão de jornalismo, mas de território¿, explica Wolff.
WALTER OPPENHEIMER é correspondente do El País em Londres