Título: Avanço rumo à vida artificial
Autor: Wade, Nicholas
Fonte: O Globo, 15/07/2011, Ciência, p. 32

Técnica altera vários pontos do genoma ao mesmo tempo

CHURCH EM seu laboratório: método é um dos passos necessários para recriar mamute a partir do DNA dos elefantes

IMAGEM DE uma bactéria E. coli: cientistas ¿sequestram¿ organismos para benefício humano

Abiologia sintética, ciência que busca "sequestrar¿ organismos vivos e convertê-los para uso humano, começa a andar. No ano passado, biólogos sintetizaram o genoma completo de uma pequena bactéria e mostraram que ela podia infectar outra. Agora, no que pode ser um avanço ainda mais significativo, demonstraram que podem mudar radicalmente um genoma e não apenas copiá-lo. Equipe liderada por Farren J. Isaacs e George M. Church, da Escola de Medicina de Harvard, criou um método para fazer centenas de alterações em um genoma simultaneamente. Essa enorme intervenção paralela, como as mudanças são chamadas, é um dos avanços necessários para outro projeto de Church: a recriação do mamute a partir do genoma de um elefante, alterando-o nos 400 mil pontos onde os DNAs dos animais diferem.

No momento, porém, Isaacs e Church estão trabalhando não com um mamute, mas com uma bactéria padrão dos laboratórios, a E. coli. Para provar que podem tomar o controle do código genético do micróbio e reprogramá-lo, eles focaram em 64 elementos conhecidos como códons de finalização. Na edição de ontem da revista ¿Science¿, os cientistas relatam que em breve poderão apagar estes códons nos 314 locais em que aparecem no genoma da E. coli sem prejudicar o microorganismo. Estes códons então poderão ser recolocados com novas funções, como introduzir um novo composto nas proteínas da bactéria. Os engenheiros genéticos há tempos conseguem modificar um gene em um genoma, mas alterar um genoma em 314 pontos simultaneamente é algo completamente diferente.

¿ Esta é a primeira vez que um genoma será alterado em uma escala tão grande ¿ reconhece James J. Collins, biólogo sintético da Universidade de Boston.

Junto com a síntese do genoma de uma bactéria por J. Craig Venter no ano passado, o avanço levará a ciência do gene ao genoma.

¿ É uma descoberta científica importante que tem a grande promessa de levar a outras ¿ considera Gerald J. Joyce, biólogo que estuda as origens da vida no Instituto de Pesquisas Scripps, em San Diego. ¿ É biotecnologia molecular para machos.

Ao controlar os códons de finalização, Isaacs e Church abriram as portas para a programação genética das bactérias. Eles podem fazê-la incorporar um novo tipo de aminoácido em suas proteínas, embora ainda não tenham feito isso, para desapontamento de Joyce:

¿ Eles podiam pegar o códon e colocar algo que fizesse a bactéria fosforescente.

Church e Venter controlam os dois principais laboratórios que levaram a biologia sintética do gene ao genoma, mas suas abordagens são diferentes. A empresa de Venter, Synthetic Genomics, gastou US$40 milhões para fazer uma cópia sintética do genoma de uma bactéria que infecta bodes. Já Church focou seu trabalho na alteração de genomas existentes ¿ como o da bem estudada E. coli ¿ e assim evitou os altos custos de fazer sequenciamentos. Church também destaca que sua abordagem é modular e pode ser testada a cada passo, enquanto o genoma completo de Venter quase foi destruído por uma única mutação:

¿ Nossa tecnologia genômica trata os cromossomos como uma plataforma editável e evolutiva.

Venter não estava disponível para entrevistas, mas seu escritório enviou um comentário por escrito em que afirma que seu objetivo ¿ criar células do nada ¿ só poderia ser alcançado pela síntese de um genoma completo. Sem grandes elogios, ele considerou a abordagem de Church ¿um acréscimo positivo na área¿.

¿ Craig constrói a casa do início, enquanto George faz reformas, mas ambos lares são interessantes de morar ¿ resume Joyce.

Pelo controle da fábrica da natureza

O objetivo da biologia sintética é controlar o sistema de manufatura da natureza e usá-lo para outros fins. O método de Church, que passou vários anos em desenvolvimento, foca no código genético comum a todos os organismos vivos. As quatro bases diferentes do DNA podem ser combinadas para formar 64 ¿palavras¿ de três ¿letras¿, ou códons, as unidades com as quais as células traduzem sua informação genética em proteínas. O que Church fez foi pegar um desses códons para uso próprio, forçando a bactéria a parar de usá-lo. Em futuros experimentos, ele pode dar outros usos ao códon.

A maioria dos códons do código genético é utilizada para escolher um ou outro dos 20 aminoácidos padrões que compõem as proteínas. Mas três destas unidades são como sinais de ¿pontuação¿, todas informando à célula quando parar de adicionar aminoácidos a uma crescente cadeia. Esta cadeia então é liberada e se dobra em um proteína.

A E. coli usa todos os códons de finalização, conhecidos como âmbar, ocre e terra. A equipe de Church converteu todos os 314 códons de finalização âmbar no genoma da bactéria na variante ocre ao alterá-los de T-A-G, no alfabeto de quatro letras do DNA, para T-A-A. O códon de finalização ocre trabalha tão bem quanto o âmbar e, depois de mais uma etapa que os cientistas ainda vão completar, a equipe terá em mãos uma bactéria E. coli que não depende do âmbar. Eles então vão apagar o gene cuja proteína reconhece o códon âmbar e força a quebra de sua cadeia. Isso permitirá aos pesquisadores reintroduzir os códons âmbar e, com um método criado por Peter Schultz, também do Instituto de Pesquisas Scripps, reprogramá-los para introduzir um novo aminoácido entre as proteínas da bactéria.

Charles Cantor, cientista-chefe da Sequenom, empresa de análises genéticas e diagnósticos em San Diego, afirmou que o novo método é ¿maravilhoso, pois permitirá a expansão do código genético para um 21º aminoácido e toda sua extensão¿.