Título: O declínio do império greco-romano
Autor:
Fonte: O Globo, 15/07/2011, Economia, p. 25

Formação da União Europeia está na gênese dos problemas hoje enfrentados pelos berços da civilização ocidental

ZEUS: INSPIRAÇÃO para os gregos na mitologia

danielle.nogueira@oglobo.com.br

Reverenciadas por sua arte e seu pensamento crítico, Grécia e Itália atravessam um momento histórico do qual dificilmente seus povos sentirão orgulho no futuro. É muito provável que os dois países, apontados como berços da civilização ocidental, sejam lembrados nos livros de História como o retrato da crise europeia neste início de século. Endividamento explosivo, desemprego em massa, escândalos de corrupção e protestos nas ruas são alguns dos ingredientes que desafiam a ordem e o senso de Justiça que um dia Zeus e Júpiter inspiraram, respectivamente, entre gregos e romanos.

Para entender por que as duas nações enfrentam dificuldades hoje é preciso voltar no tempo. Não um tempo tão distante quanto o das batalhas sangrentas que sustentaram seus impérios, mas sim aos anos que sucederam à guerra que dividiu a Europa. Logo após a Segunda Guerra Mundial, França e Alemanha, até então em lados opostos, deram o primeiro passo para formar o que hoje é a União Europeia (UE). Criaram, ao lado de Itália, Luxemburgo, Bélgica e Holanda, a chamada Comunidade Europeia do Carvão e do Aço. Colocar suas indústrias pesadas sob uma autoridade comum significava selar um pacto para a não fabricação de armas que poderiam ser usadas entre os Estados fundadores da comunidade.

¿ Era preciso acabar com os nacionalismos que levaram à Segunda Guerra Mundial e reintegrar a Alemanha e outras potências, como a Itália, para que elas não se inclinassem para o comunismo soviético ¿ lembra o historiador e professor de Relações Internacionais da Uerj Williams Gonçalves.

Mas era também preciso criar um mercado cativo para as potências que se reerguiam da guerra. Logo o bloco que começou com a união entre setores produtivos ganhou força, com a criação, em 1957, de um mercado comum, a Comunidade Econômica Europeia, em que a circulação de pessoas e mercadorias seria livre.

¿ A Alemanha era economicamente forte, mas um anão político. A França, politicamente forte, mas frágil do ponto de vista econômico. A Comunidade Europeia buscou equilibrar esses extremos e promover a extensão do mercado para alimentar o núcleo duro europeu ¿ diz o economista Luiz Carlos Prado, do Instituto de Economia da UFRJ.

Fosse para blindar o inimigo russo ou para fortalecer a economia das potências centrais europeias, essa extensão continuou ao longo de décadas. A Grécia foi incorporada ao bloco em 1981, conferindo ao projeto o selo de Atenas, uma espécie de grife da civilização ocidental, frisou o colunista do ¿New York Times¿ Roger Cohen, em artigo recentemente publicado no jornal americano. Outros tantos aderiram à iniciativa, especialmente após o fim da Guerra Fria, até se chegar ao atual desenho de 27 associados.

Nesse grande abraço ao continente europeu, os Estados fundadores da UE foram lenientes com os novatos. O não cumprimento das metas macroeconômicas acertadas quando do ingresso no bloco foi ignorado. Os tempos de bonança, diz Cohen, permitiram um acúmulo de dívidas e déficits em patamares insustentáveis sem melhora na competitividade das economias periféricas, como a Grécia.

Quando a crise imobiliária americana estourou em 2008 e contaminou as finanças da Europa e do resto do mundo, as fragilidades econômicas foram reveladas e não pouparam sequer nações do núcleo duro europeu, como a Itália, mais frágil economicamente que os demais membros fundadores da UE e envolta em escândalos políticos protagonizados por seu premier, Silvio Berlusconi.

Com taxa de desemprego de 15% no primeiro trimestre e uma dívida pública de mais de 300 bilhões ¿ ou 142% de seu Produto Interno Bruto (PIB, soma de bens e serviços produzidos no país) ¿, a Grécia se vê diante do desafio de implementar um severo programa de austeridade. Uma contrapartida tanto para conseguir receber as próximas parcelas do empréstimo acordado em 2010 com a UE e o Fundo Monetário Internacional (FMI), como para receber um segundo socorro. Na opinião de muitos analistas, se os demais Estados europeus não assumirem parte da dívida, o governo de Atenas decretará moratória.

¿ A crise grega é uma crise europeia. Os principais países do bloco terão de resolver como distribuir a conta. Não vejo outra saída ¿ diz Prado.

Algo difícil de engolir para os gregos. Logo eles, que exportaram a democracia para o resto do mundo e, hoje, protestam nas ruas para que as medidas de austeridade não lhes roubem os benefícios que passaram a gozar quando aderiram à união monetária.

Embora a economia italiana seja mais diversificada e robusta que a grega e ainda não se cogite calote, os indicadores econômicos não são menos preocupantes, sobretudo a relação dívida/PIB, que atingiu 119% em 2010. O temor é que a crise grega contagie a Itália, provocando um efeito dominó.

¿ A Itália tem problemas clássicos de gestão pública bem anteriores à crise de 2008, além de conviver com corrupção por anos e ter dificuldades de formação de coalizões que apresentem alternativa a Berlusconi. Mas não acredito em calote. A UE jamais deixaria acontecer ¿ diz Prado.