Título: Falta vontade política
Autor: Talocchi, João; Oliveto, Paloma
Fonte: Correio Braziliense, 17/08/2009, Ciência, p. 18

Para representante do Greenpeace na reunião ambiental de Bonn, os países, inclusive o Brasil, precisam ser mais ambiciosos no combate ao aquecimento global.

Bonn (Alemanha) ¿ Depois de uma semana de reuniões intensas, poucos resultados saíram do encontro preparatório para a Convenção sobre Mudanças Climáticas das Nações Unidas, a COP 15, marcada para dezembro, na Dinamarca. Além de lidar com um documento de 200 páginas ¿ que precisam ser reduzidas para 30, no máximo ¿, as delegações de 180 países tiveram de se debruçar sobre mais de 2 mil questões e inúmeras divergências entre os negociadores.

Antes de Copenhague, há outros dois encontros informais, marcados para setembro e novembro. O tempo é considerado pouco pelo ambientalista João Talocchi, membro da campanha de clima da organização não governamental Greenpeace, que participou do evento em Bonn, na condição de observador. Em entrevista ao Correio, ele diz que a expectativa é que, na Dinamarca, surja um plano do qual os Estados Unidos, que não assinaram o Protocolo de Kyoto, participem ativamente, com uma posição ¿ambiciosa¿.

Talocchi cobra mais empenho do Brasil tanto no cenário internacional quanto no desenvolvimento de políticas internas. Para ele, há pouco esforço na busca por energia renovável e no combate ao desmatamento. Ainda segundo o ambientalista, as obras previstas pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) podem representar um desastre ecológico, principalmente na região amazônica, onde se planeja duplicar a BR-319, que liga Manaus a Porto Velho e já foi apelidada de ¿rodovia da discórdia¿, por ter provocado atritos entre os ministros Alfredo Nascimento (Transportes) e Carlos Minc (Meio Ambiente).

O representante do Greenpeace, que sonha com o desenvolvimento de uma ¿Itaipu eólica¿ no Brasil, lembra, porém, que não basta delegar aos governantes a tomada de atitudes em relação às mudanças climáticas. ¿Se as pessoas investissem no tema ambiental a energia que elas empregam em um jogo de futebol, tenho certeza que a postura do Brasil seria outra¿, aposta.

Paloma Oliveto/CB/D.A Press Talocchi, em Bonn: discurso brasileiro precisa vir acompanhado de ações eficazes

As negociações avançaram pouco em Bonn? Realmente, o processo de negociação foi muito lento. Elas (as delegações) passaram grande parte do tempo discutindo como negociar. Isso mostra que o nível de ambição para trabalhar a mudança do clima é pequeno. Veja os Estados Unidos. Com a nova administração, criaram-se expectativas, mas o país mostrou que não está disposto a apresentar uma proposta ambiciosa para o clima.

As ONGs tinham mesmo esperança de que o presidente Barack Obama tomasse uma atitude diferente das administrações anteriores ou já previam que, por causa do Congresso norte-americano, seria difícil aprovar novas metas ambientais? Havia uma expectativa muito grande em torno do Obama. As ONGs americanas ainda estão um pouco deslumbradas com ele, assim como algumas organizações brasileiras estiveram deslumbradas no primeiro mandato de Lula. Ainda existe uma esperança muito grande de que Obama tome uma posição mais ambiciosa e que consiga, num movimento político, levar todos os países a um compromisso efetivo.

Mas para isso não seria necessário acabar com o Protocolo de Kyoto, já que os Estados Unidos se recusam a ratificá-lo? Não necessariamente. Você não precisa acabar com Kyoto. Pode continuar com o protocolo, colocar as novas metas de todos os países que já o ratificaram, melhorar o mecanismo de cumprimento das reduções e criar um outro protocolo paralelo, com os mesmos objetivos gerais, e incluir os Estados Unidos. Nossa demanda é que os países ricos reduzam as emissões em pelo menos 40% até 2020, como um grupo, e que juntos constituam um fundo de US$ 160 bilhões por ano para que as nações em desenvolvimento possam gerar uma economia sustentável.

Os países industrializados não devem estar satisfeitos com essa proposta, não? Eles não querem de maneira alguma. Eles estão relutando a pagar e estão apresentando metas de redução que são pífias. Muito fracas e muito aquém do mínimo necessário, segundo o IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas). As metas de redução, se você incluir os Estados Unidos, que são os maiores emissores (entre os países desenvolvidos), estão entre 10% e 16%. O IPCC fala que o mínimo necessário é 25%, isso no estudo que foi lançado em 2007. Então, essa redução tem de ser maior que 25%, mas o problema é que até agora ninguém chegou a uma proposta eficiente.

Faz sentido a posição norte-americana de só aceitar que se tracem metas de redução para o país se a China e a Índia fizerem o mesmo? Não faz sentido algum. A China tem um plano nacional de redução muito mais ambicioso que o dos Estados Unidos. A China é hoje o maior gerador de energia eólica, já ultrapassou a Espanha, a Alemanha, e está crescendo exponencialmente nesse sentido. Eles podem ainda depender de carvão, mas se você for ver o que é pedido da China e o que é pedido dos Estados Unidos, e comparar quem está fazendo mais, a China está fazendo muito mais. Se os EUA se comprometerem a ajudar a China a crescer sem cometer os mesmos erros que os americanos tiveram no passado, aí, sim, eles podem cobrar da China. Existe um jogo de confiança no qual a população americana tem de acreditar. Não adianta eles dizerem: ¿Ah, eu não vou mudar meus hábitos de consumo enquanto os chineses estão crescendo¿.

O senhor acredita que o Brasil tem tomado medidas eficientes para reduzir a velocidade de crescimento da curva de emissões de dióxido de carbono? Não. O Brasil tem um discurso internacional muito bonito, como fez no ano passado, garantindo que vai reduzir o desmatamento em 70% em 2016, com relação a 1996. Talvez o Ministério do Meio Ambiente tenha tomado algumas atitudes de governança, como a Operação Arco Verde, a Operação Boi Pirata, mas a devastação cai por outros fatores: chuva, cobertura de nuvens que nos impedem muitas vezes a análise por satélite e a queda do preço de commodites agrícolas, como soja e gado. Então, há vários motivos para o desmatamento cair que não dependem diretamente do governo. Além disso, a gente tem um Ministério da Agricultura que está tentando destruir a legislação ambiental. Outra briga é com o Ministério dos Transportes e com o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), que prevê a duplicação da Rodovia 319 (que corta a Amazônia). Por que você vai levar o maior vetor de desmatamento, que é uma estrada, para o meio de uma área virgem de floresta? É preciso adotar ações que deem lastro ao discurso, para que ele não fique vazio.

Já se cobrou muito do Brasil uma atitude protagonista entre os países em desenvolvimento. O país tem condições de assumir essa liderança? O Brasil tem todas as condições para ser uma liderança entre os países em desenvolvimento, mas falta vontade política e a percepção de que isso seria uma vantagem econômica. Iríamos desenvolver novas tecnologias e seríamos vistos como um ótimo país para investimento. Mas, no Brasil, a população não está cobrando dos governantes a adoção dessa postura. Temos empresas oferecendo termelétricas, querendo comercializar carvão, empresas que se beneficiam de uma falta de governança na Amazônia. A população brasileira tem de fazer barulho e exigir que a postura do Brasil seja proativa, coerente tanto no cenário internacional quanto no nacional. Se as pessoas investissem a energia que elas investem em um jogo de futebol ou para fazer protesto quando o time não está bem no tema ambiental, tenho certeza de que a postura seria outra.

Qual é a sua avaliação sobre a participação da delegação brasileira em Bonn? A delegação brasileira tem um papel importante dentro das negociações e uma capacidade técnica muito grande, mas o Brasil está muito aberto a opções da negociação. É preciso ver para onde esse jogo político leva o país. Nós já cobramos os países desenvolvidos. Se o Brasil adotar uma postura proativa baseada numa mudança interna, vai ter um poder de cobrança muito maior e vai conseguir muito mais em troca.

A repórter viajou a convite da organização da COP 15

Ainda existe uma esperança muito grande de que Obama tome uma posição mais ambiciosa e que consiga, num movimento político, levar todos os países a um compromisso efetivo.

A China tem um plano nacional de redução muito mais ambicioso que o dos Estados Unidos. A China é hoje o maior gerador de energia eólica.

O PAC prevê a duplicação da Rodovia 319 (que corta a Amazônia). Por que você vai levar o maior vetor de desmatamento, que é uma estrada, para o meio de uma área virgem de floresta?