Título: Pressão chinesa nos EUA
Autor: Eichenberg, Fernando; Rosa, Bruno
Fonte: O Globo, 15/07/2011, Economia, p. 23

Maior credor do país, Pequim teme calote americano. Acordo cortará déficit em US$1,5 tri

A China, maior credor dos EUA, exortou ontem o governo americano a proteger os interesses dos investidores, destacando sua preocupação com a crise do Orçamento. A China possui US$1,15 trilhão em títulos do Tesouro americano, correspondente a 26% dos papéis emitidos pelo país. O alerta ocorre em meio a uma queda de braço entre a Casa Branca e o Congresso sobre a elevação do teto de endividamento - hoje em US$14,3 trilhões. Caso a medida não seja aprovada a tempo dos pagamentos previstos para o dia 2 de agosto, o governo americano poderá recorrer ao calote. Sem um teto maior, faltariam à Casa Branca, só em agosto, US$134 bilhões para honrar suas contas.

- Esperamos que o governo americano adote políticas responsáveis e medidas que garantam os interesses dos investidores - afirmou Hong Lei, porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, reforçando declarações similares feitas por autoridades chinesas em abril.

O secretário de Imprensa da Casa Branca, Jay Carney, disse ontem que o governo e líderes do Congresso teriam chegado a um acordo de redução do déficit fiscal americano em US$1,5 trilhão, com a possibilidade de incluir outros US$200 bilhões em cortes. Ele não especificou, porém, o prazo nem que tipo de cortes seriam feitos. Ressaltou, no entanto, que "nada está fechado, até que tudo esteja fechado", indicando que ainda há detalhes a serem resolvidos. A medida é considerada essencial para o acordo sobre elevação do teto da dívida, pois os congressistas querem garantias de que o governo vai implementar uma política de redução do déficit público.

Além do impacto para os credores dos títulos americanos, como a China, um calote também afetaria as finanças dos EUA e a economia mundial, já combalida pela crise da dívida na zona do euro. Sem um teto maior, a Casa Branca teria que escolher onde aplicar o calote. Estão em risco o pagamento de cheques da Previdência Social, salários do funcionalismo e das Forças Armadas, benefícios sociais para desempregados, bolsas estudantis, entre outros.

Há meses Obama vem pressionando o Congresso a elevar o teto de endividamento federal. Mas os líderes, inclusive alguns democratas, travaram o processo, afirmando que, primeiro, querem ver um projeto realista de controle do crescente déficit fiscal. Ontem, o senador democrata Dick Durbin disse que se não houver um acerto até hoje, o governo deverá pensar num plano B para enfrentar os riscos de moratória do Tesouro.

- O presidente expressou ao grupo que até sexta (hoje) temos de ter alcançado algo. E é realista, porque se vamos elevar a dívida, leva algum tempo não somente para formular a lei como também para aprová-la e seguir adiante - disse Durbin.

Bernanke: calote elevaria déficit

Obama diz que precisa chegar a um acordo até o próximo dia 22, a tempo de permitir que ele seja aprovado pelo plenário do Congresso e entre em vigor no dia 2 de agosto. O secretário do Tesouro, Timothy Geithner, afirmou que um calote teria um impacto perverso sobre a economia. Já o presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central americano), Ben Bernanke, voltou a alertar ontem sobre os riscos para a economia se o Congresso não flexibilizar o teto de endividamento. Em depoimento ao Comitê de Bancos do Senado, ele disse que um default elevaria o déficit fiscal do governo.

Alguns congressistas e economistas de linha conservadora, no entanto, veem um exagero nos alertas da Casa Branca e do Fed. Segundo eles, o recolhimento de impostos garantiria o pagamento de até 60% das despesas do governo.

- Não há necessidade de calote nem é preciso fechar o governo, se não quiser - disse Peter Morici, economista da Universidade de Maryland, acrescentando que, se o Congresso elevar o teto do endividamento sem um plano de longo prazo de redução do déficit fiscal, "o problema nunca será resolvido e iremos acabar como a Grécia".

Os conselheiros de Obama dizem que selecionar, entre a lista de despesas do governo, quais serão honradas e quais sofrerão um calote é impraticável e seria caótico. Isso porque o dinheiro se move num fluxo de entradas e saídas.

O impasse entre a Casa Branca e o Congresso americano afetou as bolsas europeias ontem. Em Londres, o índice FTSE recuou 1,01%; em Frankfurt, o DAX perdeu 0,73%; e o CAC, de Paris, 1,11. Em Milão, nem mesmo o sinal de acordo entre os parlamentares em relação ao pacote de medidas de austeridade aliviou os temores do investidores, e o índice Ftse/Mib caiu 1,07%.

Nos EUA, o depoimento de Bernanke no Senado pesou negativamente, com os mercados interpretando suas declarações como sinais de que o Fed não vai comprar títulos do Tesouro a curto prazo para estimular a economia. Essas declarações contrariaram as expectativas que o próprio presidente do Fed criara na véspera, ao falar na Câmara. O índice S&P 500 recuou 0,7%; o Dow Jones, 0,4%; e o Nasdaq, 1,2%. A divulgação de dados sobre as vendas no varejo - que subiram 0,1% - e o mercado de trabalho, indicando que o número de pedidos de seguro-desemprego se manteve estável, porém num patamar alto, não pesou nos mercados.

Aversão a risco derruba Bovespa

No Brasil, a Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) encerrou em queda de 1,63%, aos 59.679 pontos. É a segunda vez nesta semana que o pregão rompe a barreira dos 60 mil pontos. De acordo com analistas, a aversão a risco aumentou, após Bernanke afirmar que os estímulos monetários, para reaquecer a economia, não serão feitos no curto prazo.

Com isso, analistas acreditam que a tendência da Bolsa é de queda. A expectativa, segundo Leonardo Milane, estrategista da Corretora Santander, é que o pregão chegue aos 58 mil pontos nos próximos dias.

- O foco é os Estados Unidos, que vêm apresentando dados econômicos fracos. Além disso, há a expectativa em torno da elevação do teto da dívida do país. A crise na Europa é preocupante, mas o mercado sabe que não haverá solução a curto prazo - disse Milane.

Com os investidores migrando seus recursos para ativos mais seguros, o dólar ganhou terreno frente às principais moeda no mundo. Ontem, a divisa encerrou em alta de 0,25%, cotada a R$1,578. Mesmo com o avanço, o Banco Central (BC) entrou no mercado comprando dólares, já que os bancos têm até hoje para se ajustar ao recolhimento de compulsório em contratos com posições vendidas (que apostam na queda da moeda), cujo limite caiu de US$3 bi para US$1 bi.

No cenário interno, Hideaqi Iha, operador de câmbio da Fair, destacou que, apesar dos cortes no orçamento da Itália, o mercado está preocupado com os EUA.

- O câmbio abriu o dia em queda, refletindo os bons números da China, no dia anterior. Mas depois das declarações de Bernanke, o humor virou - destacou.

Com isso, as ações mais líquidas de Vale e Petrobras caíram 1,36% e 1,79%, respectivamente. Por outro lado, as ações ordinárias (ON, com direito a voto) da BRF-Brasil Foods (resultado da fusão entre Sadia e Perdigão) subiram 3,4%, a maior alta do Ibovespa. As preferenciais (PN, sem direito a voto) do Pão de Açúcar ficaram em segundo, com alta de 2,6%.