Título: A mão invisível em casa
Autor:
Fonte: O Globo, 15/07/2011, Opinião, p. 7
ELIZABETH TINOCO
Se chamam Joana, Tereza ou Lúcia. Costumam ter também filhas e filhos e normalmente são elas as cabeças de suas famílias. A diferença é que trabalham para lares que não são os seus e com seu trabalho sustentam a ordem cotidiana de muitas casas, aportando segurança e tranquilidade a seus proprietários. São a mão invisível que cuida da vida diária de tantos de nós e de nossas famílias.
Na América Latina existem mais de 14 milhões de mulheres dedicadas ao trabalho doméstico em casas que não são as suas. Recebem uma remuneração, mas a maioria delas também deve enfrentar diariamente uma realidade na qual predominam baixos salários, jornadas de trabalho extensas, proteção social escassa ou nula, pouco tempo livre, más condições de vida e o não cumprimento generalizado das normas laborais.
A nova norma internacional sobre o trabalho doméstico, aprovada recentemente pelos 183 países que fazem parte da OIT, constitui um fato sem precedentes pois pela primeira vez diz respeito a um setor no qual predomina a informalidade e no qual são frequentes a discriminação, a exploração e outros abusos.
O trabalho doméstico é exercido a portas fechadas, na intimidade de nossas casas, e isso contribui para que seja uma ocupação invisível, difícil de medir e de controlar. As estatísticas são difusas e com frequência não contam quem trabalha por hora ou por dia, os que não estão registrados na seguridade social, as migrantes sem documentação nem as meninas e meninos que trabalham ocultos sem ter a idade permitida por lei.
Na América Latina, menos de um terço das trabalhadoras domésticas está registrado nos sistemas de seguridade social e o número que consegue aposentadoria é ainda menor. Em nossa região, as trabalhadoras ocupam um dos graus mais baixos na escala de remunerações e sua renda média é sempre inferior à dos trabalhadores em geral e também à de outras mulheres ocupadas.
Durante os últimos anos, diversos países latino-americanos adotaram normas e políticas tendentes a melhorar as condições laborais de quem desempenha o trabalho doméstico, mas sua aplicação ainda está pendente de ser completamente atingida.
A melhoria nas condições laborais dos trabalhadores domésticos é relevante para a economia pois permitiria aproveitar melhor o potencial de milhões de pessoas e suas famílias, as quais habitualmente vivem em condições de pobreza. Por esse mesmo caminho é uma ferramenta importante para enfrentar também a persistente desigualdade que caracteriza uma região que costuma ser classificada como a mais desigual do mundo.
Ao enfrentar as condições trabalhistas de uma ocupação que costuma realizar-se na informalidade, também se faz frente a um dos desafios mais urgentes que temos na América Latina. Os dados disponíveis nos indicam que mais de 50% da força de trabalho regional estão na economia informal.
A nova norma aprovada na OIT, conhecida como Convenção 189, estabelece que trabalhadoras e trabalhadores domésticos têm os mesmos direitos básicos que outros trabalhadores, os quais têm direito a jornadas de trabalho razoáveis e descanso semanal de pelo menos 24 horas consecutivas, a informações claras sobre as condições de emprego, à cobertura básica da seguridade social e ao respeito aos direitos trabalhistas fundamentais.
A Convenção aponta diretamente para temas pendentes no mundo do trabalho como os de igualdade de gênero, uma vez que mais de 80% dos que estão empregados no trabalho doméstico são mulheres, ou à situação de milhões de trabalhadores migrantes que vão a outros países para trabalhar em outros lares normalmente sem documentos nem direitos de qualquer tipo, e a enfrentar o problema do trabalho infantil doméstico. No mundo existem mais meninas menores de 16 anos empregadas no serviço doméstico do que em qualquer outra forma de ocupação.
A transcendência desta nova norma internacional vai além da questão jurídica: sua adoção envia um sinal político muito forte e reflete um compromisso internacional com a necessidade de melhorar as condições de trabalho de dezenas de milhões de pessoas que se ocupam das tarefas do lar em todo o mundo.
ELIZABETH TINOCO é diretora regional da Organização Internacional do Trabalho para a América Latina e o Caribe.