Título: Fissura no discurso oficial de austeridade
Autor:
Fonte: O Globo, 15/07/2011, Opinião, p. 6

Semanas movimentadas estas do governo Dilma Rousseff. Na política, transcorre um enfrentamento decisivo entre o Palácio e o próprio modelo fisiológico de montagem do ministério. É o que está em questão nas mudanças forçadas pela presidente nos Transportes, um ativo balcão de negociatas da baixa política patrocinado pelo PR, com aval do lulopetismo.

Importa menos discutir, agora, a convivência da presidente com esses esquemas nos oitos anos em que foi ministra de Lula, e mais apoiar qualquer ação do governo voltada à moralização do uso do dinheiro público. Se os Transportes serão desratizados para valer, não se sabe. Mas disso depende a credibilidade do Palácio no enfrentamento da corrupção daqui para a frente. Mal enveredou a caminho dessa encruzilhada na política, o governo se defronta, na economia, com outra ambiguidade: vale o discurso de austeridade adotado por Dilma Rousseff desde a campanha eleitoral ou a verdadeira postura fiscal do Planalto está definida pelo aviso de que serão vetados dispositivos de limitação de gastos incluídos na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para 2012, por iniciativa da oposição? Sintomático que nenhuma crítica foi feita à irresponsável inclusão na mesma LDO da obrigatoriedade de se conceder o segundo aumento real consecutivo às aposentadorias acima de um salário mínimo. Se o reajuste de 14% já contratado para o SM no ano que vem terá um efeito explosivo na Previdência, caso haja outro aumento acima da inflação para os benefícios superiores ao mínimo, o esforço de contenção de despesas, a fim de se preservar o superávit primário, terá de ser ainda maior. Ou há no Planalto quem considere algo sem importância reduzir a poupança para se pagar o máximo possível dos juros da dívida. Na bancada governista, alega-se haver uma contradição entre a meta de 3,1% do PIB do superávit primário e o teto incluído na LDO para o déficit nominal do governo central (0,87% do PIB), na prática uma redução de despesas em 0,5% do PIB. Outra barreira é impedir que gastos em custeio cresçam à frente dos investimentos.Também sensato. Existe incompatibilidade, no entender do governo, porque, para não ultrapassar este teto, o superávit primário teria de ser mais elevado. Ora, se existe a incompatibilidade, que se negocie e se ajustem os diversos parâmetros. Afinal, estimativas de resultados primários (sem considerar o pagamento de juros da dívida pública) e nominais (inclui todas as despesas) precisam ser incluídas na LDO, por uma determinação, jamais cumprida, da Lei de Responsabilidade Fiscal. Será eficiente antídoto contra as suspeitas diante dos discursos de austeridade do governo se ele for o primeiro a aplicar este dispositivo da LRF. O anúncio do veto, e na rapidez com que foi feito, resgata do passado a Dilma Rousseff recém-empossada na Casa Civil, no final do primeiro governo Lula, dura opositora da acertada proposta do então ministro da Fazenda Antonio Palocci, com apoio de Paulo Bernardo, do Planejamento, de uma política fiscal que buscasse o déficit zero, rota segura para juros mais baixos. Bastaria conter despesas a fim de que subissem numa velocidade inferior à do PIB. "Rudimentar" foi o termo usado por Dilma para desqualificar a ideia.

Além da expectativa diante do desfecho da bem-vinda intervenção no Ministério dos Transportes, há mais este suspense: qual Dilma assumiu o Planalto, a de 2005 ou a da campanha de 2010?