Título: Furacão Lina dura 5 horas
Autor: Luiz, Edson; Rothenburg, Denise
Fonte: Correio Braziliense, 19/08/2009, Política, p. 2

Governo e oposição cantam vitória depois do depoimento da ex-secretária da Receita na Comissão de Constituição e Justiça do Senado. Enquanto o Palácio dá o caso como encerrado, adversários de Lula acreditam que desgastaram Dilma um pouco mais

Ato 1: Lina exalta as qualidades técnicas como servidora

Ato 2: Lina diz que Dilma pediu para agilizar investigação

Ato 3: Lina afirma que não se sentiu pressionada pela ministra

Ato 4: Lina diz que não precisa de agenda para provar a verdade

A ex-secretária da Receita Federal Lina Vieira reafirmou ontem, em audiência na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, que recebeu um pedido da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, para ¿agilizar¿ uma investigação sobre a família Sarney. Em cerca de cinco horas de depoimento, ela não apresentou provas do encontro entre as duas nem do suposto pleito. Resultado: tanto oposição quanto o governo cantaram vitória. Os oposicionistas afirmam que conseguiram desgastar um pouco mais a imagem da candidata do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à sucessão presidencial. Já os aliados de Lula dão como certo o encerramento do caso. Por falta de combustível para alimentar a polêmica.

¿Ela disse que foi várias vezes ao Palácio do Planalto, que não se sentiu pressionada pela ministra e, para completar, lembrou que a Justiça Federal já havia pedido celeridade nas investigações¿, disse o líder do PMDB na Casa, Renan Calheiros (AL), destacando os trechos do depoimento de Lina que seriam favoráveis ao governo. Nos discursos em público, os oposicionistas manterão a cobrança por um esclarecimento das divergências entre as protagonistas do embate. Nos bastidores, no entanto, tucanos e democratas reconhecem que não têm fôlego a fim de manter o caso no noticiário. Primeiro, porque a ex-secretária não apresentou novos indícios. Segundo, porque não têm votos para convocar Dilma para, por exemplo, uma acareação.

Lina esperou uma hora e meia para começar a fazer a explanação. Nesse período, oposição e base aliada discutiam sobre a validade da convocação da ex-secretária pela CCJ. Ao final, senadores ligados ao Palácio do Planalto concordaram em fazer a sessão. Lina chegou de tailleur vermelho, aparentemente tranquila, sorridente em alguns momentos e acompanhada pelo marido. Nos primeiros 20 minutos de sua fala, procurou mostrar seu perfil técnico e números de sua rápida passagem pela Receita. ¿Minha trajetória sempre foi de natureza técnica, nunca tive filiação partidária¿, declarou.

Encontro

Lina discorreu ainda sobre o suposto encontro entre ela e Dilma no Planalto. Descreveu detalhes. Entrou pela garagem oficial, passou por um segurança que perguntou seu nome e depois pelo detector de metais antes de chegar ao elevador, que a levaria ao quarto andar. Lá, ficou meio perdida no corredor até que a secretária-executiva da Casa Civil, Erenice Guerra, fosse buscá-la. Esperou pouco na antessala, tempo suficiente para tomar água e café ao lado de duas pessoas desconhecidas, até ser recebida por Dilma, com quem conversou por 10 minutos.

O encontro, segundo Lina, não estava registrado nas agendas oficiais de seu gabinete nem da ministra, o que serviu de munição para os aliados do governo na sessão de ontem. Mas foram as declarações da ex-secretária da Receita, afirmando que não sofreu cobranças do Planalto, que aliviaram a base governista. ¿Disse que iria verificar (o andamento do processo) e daria retorno. Não dei retorno, mas nunca fui cobrada¿, afirmou. Antes, no entanto, ela desqualificou a necessidade de comprovar a conversa: ¿Não preciso de agenda para provar a verdade¿.

Falamos sobre amenidades, e ela, então, perguntou se eu poderia agilizar a fiscalização do filho do Sarney¿

Sobre o teor da conversa

Achei o pedido incabível, pois a Receita é uma instituição de Estado e porque trabalha de forma impessoal¿

Sobre o pedido de Dilma

Não me senti pressionada. Entendi que era para ser célere e encerrarmos as fiscalizações. Não senti pressão¿

Sobre eventual pressão de Dilma

Disse que iria verificar (o andamento do processo) e que daria retorno. Não dei retorno, mas não fui cobrada¿

Sobre o resultado do pedido

10 minutos - Teria sido o tempo total do encontro entre Dilma e Lina Vieira no Planalto

1h45 - Foi o tempo que os senadores levaram para discutir se haveria sessão na CCJ

Motorista pede demissão

Luciano Pires Jonas Pereira/Agência Senado

Elogiado pelos colegas de trabalho como alguém pontual, discreto e habilidoso ao volante, o motorista da ex-secretária Lina Vieira passou quase todo o dia de ontem confinado na garagem do Ministério da Fazenda. Ele é considerado a principal testemunha do suposto encontro entre Lina e Dilma Rousseff. Sem dar explicações aos curiosos, o rapaz deixou o galpão ¿ que fica atrás do prédio anexo ¿, às 18h, acompanhado apenas de um amigo. Ele pediu demissão na segunda-feira. ¿Ninguém sabe direito o motivo. Talvez tenha achado coisa melhor para fazer¿, justificou um dos motoristas.

Funcionário da Delta Locação de Serviços e Empreendimentos Ltda, Warley cumpria jornada pesada de trabalho. Embora fosse terceirizado, costumava fazer plantões noturnos. Quando Lina estava no comando da Receita, o motorista era acionado para levá-la a alguns dos endereços mais conhecidos de Brasília. ¿Ele a levou a muitos lugares: ministérios, Planalto, mas a gente leva e traz as pessoas. O que elas fazem dentro dos prédios o motorista não tem como saber¿, resumiu outro colega.

Com um salário de R$ 1.000 por mês, Warley não parecia insatisfeito com a rotina. Pelo menos na avaliação dos amigos. ¿Todo mundo fica meio assim quando alguém fala de você na televisão¿, advertiu outro motorista. No departamento de transporte e logística do Ministério da Fazenda, o ex-chefe de Warley não fez comentários sobre o pedido de demissão do rapaz. A Receita Federal informou que não se pronunciaria também.

RÁDIO CORREDOR Tão logo a ex-secretária Lina Vieira começou a depor no Senado, os motoristas do Ministério da Fazenda viraram alvos de fofoca nos corredores. Servidores e terceirizados de outros departamentos abordaram os empregados do setor de transporte nos carros, na salinha dos motoristas, que fica no mezanino do ministério, e até no banheiro. ¿Todo mundo quis saber quem dirigia para a secretária. O cara virou celebridade¿, disse uma mulher. Com a rádio corredor funcionando a todo vapor, o ex-motorista de Lina foi aconselhado a não falar com estranhos.