Título: Varejo com sotaque: estrangeiros terão 60% do setor
Autor: Justus, Paulo; Batista, Henrique Gomes
Fonte: O Globo, 13/07/2011, Economia, p. 21

Sem a fusão com o Pão de Açúcar, Carrefour pode ser engolido pelo americano Walmart

SÃO PAULO e RIO. Com o fracasso na tentativa de fusão entre o Pão de Açúcar e o Carrefour, um novo cenário se aproxima para o varejo brasileiro, passando necessariamente pela consolidação da participação dos grupos estrangeiros no setor. Pelo acordo entre o empresário Abilio Diniz e o Casino, o grupo francês passará a deter o controle acionário do Pão de Açúcar já a partir de 2012. Em outro plano, o também francês Carrefour continuará sendo alvo de cobiça por parte dos concorrentes, e o mais forte deles é o Walmart, gigante americano com presença em 15 países e faturamento anual de US$421 bilhões. Juntos, os três passariam a deter 60% do varejo supermercadista no Brasil, contra os cerca de 30% hoje. O percentual chegaria a 65% em estados como São Paulo.

- Esse é o cenário mais provável, caso a proposta de fusão entre Pão de Açúcar e Carrefour, que barraria o controle do Casino, não ocorra mesmo. Não vejo problema no predomínio estrangeiro no varejo. Isso já ocorre em outros setores, como o automobilístico - afirma Claudio Felisoni, presidente do Programa de Administração do Varejo/Ibevar, que estimou a fatia de mercado dos estrangeiros no país.

Nesse cenário, as atenções vão recair sobre o Carrefour. Com resultados ruins, após a descoberta de um rombo contábil de R$1,2 bilhão no país, e o pouco interesse da matriz em manter os negócios no Brasil, a rede francesa pode ser alvo de uma investida de concorrentes como o Walmart.

- O Carrefour está numa situação complicada: a matriz o abandonou e não investe mais aqui. Por isso, ele não vai ficar sozinho. O Walmart é o comprador com maior potencial porque quer crescer no mercado brasileiro - concorda Olavo Henrique Furtado, coordenador de pós-graduação e MBA da Trevisan Escola de Negócios.

Felisoni acrescenta que o varejista americano poderia trazer boas práticas para os hipermercados do Carrefour. Segundo ele, o Walmart dificilmente perderia a oportunidade de crescer no mercado brasileiro. E não seria a primeira aproximação entre os dois grupos. Em 2009, segundo informações de mercado, o Walmart já havia feito chegar à matriz do Carrefour seu interesse numa eventual associação. Mas as conversas não prosperam na época.

- O Walmart quer comprar e o Carrefour quer vender - arremata.

Para o Pão de Açúcar, essa união entre concorrentes traria uma perda de capital acionário de R$1,356 bilhão, de acordo com estudo elaborado pela Fundação Getulio Vargas a pedido de Diniz. Esse dado foi citado na proposta de associação entre Carrefour e Pão de Açúcar, como argumento para defender a entrada do BNDES na operação e para evitar o que o empresário disse ser o risco de "desnacionalização do setor varejista no país". Se a fusão ocorresse, os ganhos em sinergia do grupo de Diniz seriam de R$8,4 bilhões.

Procurada ontem, a varejista americana não comentou a suspensão da proposta de fusão entre Pão de Açúcar e Carrefour. Em maio passado, o Walmart divulgou um plano de investimentos de R$1,2 bilhão no país, que prevê a abertura de 80 novas lojas e a criação de 7 mil empregos. Nos últimos cinco anos, o grupo já investiu R$6 bilhões, com a construção de 177 lojas e contratou 25 mil pessoas no país.

Até ontem, a participação do BNDES era considerada premissa para operação de compra dos ativos do Carrefour. A sua substituição por investidores privados não seria de simples execução, chegou a dizer no meio da tarde um executivo que acompanhou a formulação da primeira proposta. Ainda assim, BTG Pactual, Estáter e escritórios de advocacia que desenharam a proposta chegaram a fazer contatos com fundos de novos investidores, na tentativa de cobrir o aporte de R$3,9 bilhões que o BNDES faria para viabilizar o negócio. À noite, o BTG anunciou a retirada "temporariamente" da proposta de compra dos ativos do Carrefour no Brasil.

Para Felisoni, a participação do banco público no processo de fusão varejista era injustificada, porque não havia o componente desenvolvimentista de se investir no varejo. Segundo ele, o banco não deveria ser premissa básica para a operação, dada a facilidade de obtenção de crédito nesse setor.

- Não há sentido alocar dinheiro que poderia ser destinado a outros setores mais carentes.

Já Furtado, da Trevisan Escola de Negócios, diz que a participação de dinheiro público em operações segue a linha chinesa de participação pesada do Estado em vários setores, como ocorre com a China.

- Perdemos uma grande chance de ser um player no varejo mundial, que é um segmento de grande visibilidade. Seria de certa forma o que Embraer e JBS representam para o segmento deles.

Outro grupo que pretende crescer no Brasil -- e que vê com bons olhos o fim da fusão -- é o chileno Cencosud. No país desde 2007, o grupo já comprou três redes no Nordeste: G.Barbosa, Mercantil Rodrigues e Perini. O Cencosud, com 250 estabelecimentos, 24 mil funcionários e faturamento anual no Brasil de US$1,682 bilhão (R$2,66 bilhões), não comenta seus planos, mas está com fome de crescer, não apenas no Brasil, mas em outros países na região. E pode comprar parte dos ativos do Carrefour.

COLABOROU Henrique Gomes Batista