Título: Erário se livra do Caso Pão de Açúcar
Autor:
Fonte: O Globo, 13/07/2011, Opinião, p. 6

De forma mais agressiva depois do estouro da crise financeira mundial, em fins de 2008, o BNDES passou a ser usado como ferramenta de indução de investimentos. Em si, nenhum erro. A economia brasileira, como as demais, recebeu de fora forte impacto recessivo, e o banco tinha mesmo de ser acionado para evitar que a roda da economia parasse de girar.

O desvio ocorreu porque a oportunidade foi aproveitada pelos "desenvolvimentistas" de Brasília, órfãos do modelo geiselista de conversão do Estado em locomotiva do crescimento, e o banco passou a ser capitalizado excessivamente por dinheiro de endividamento público, para ampliar a atuação. Era a chance de se acelerar o projeto, no figurino do "Brasil Grande" da ditadura militar, de criação de "campeões nacionais". Foi assim que até para fusão de frigoríficos o banco liberou crédito - operação que não cria um emprego sequer e nada tem a ver com as carências do país. Como na infraestrutura de transportes.

Não faltou apoio em Brasília para o banco dar um novo mau passo no projeto - estapafúrdio, para uma agência de fomento estatal - de fusão do grupo Pão de Açúcar com o francês Carrefour. Idealizado pelo empresário Abilio Diniz, o negócio precisaria do banco como acionista. Caberia à BNDESpar, braço de participações da instituição, desembolsar quase R$4 bilhões para viabilizar a operação. Houve quem no governo considerasse candidamente que o dinheiro da BNDESpar não é público. Balela. Todo o sistema do BNDES vive de recursos do trabalhador (FAT), de eventuais repasses orçamentários, e mais recentemente de dívida feita em nome do contribuinte. E também são do Tesouro - do público, em sentido amplo - os retornos das operações.

Foi tão grande a reação negativa, mesmo entre especialistas que apoiam o governo do PT, que o BNDES começou a bater em retirada ao condicionar sua entrada na operação ao entendimento entre Diniz e o sócio francês atual, o grupo Casino. Como os franceses do Casino acusam Abilio Diniz de ter negociado sem consultá-los, ficou, na prática, decretado o fim da tentativa de aventura com dinheiro do contribuinte.

Mesmo alegadas vantagens da fusão são ilusórias. Não seria aberto qualquer novo canal de comercialização de produtos brasileiros na Europa. Na prática, é o contrário: via Casino, marcas francesas invadem as lojas do Pão de Açúcar, ajudadas, também, pelo câmbio. E nem a França é um mercado aberto para importações. Um aspecto negativo evidente seria a enorme concentração no mercado varejista. Em algumas regiões de São Paulo, a soma de Pão de Açúcar e Carrefour dominaria 70% das vendas. Outra questão, a da desnacionalização, surgiu de uma manipulação, para atiçar os espíritos nacionalistas do governo. Pois ela já foi feita pelo próprio Diniz, que vendeu o controle do Pão de Açúcar ao Casino, e terá de entregá-lo no ano que vem.

Na sexta-feira, noticiou ontem O GLOBO, a presidente Dilma Rousseff, em despacho com Luciano Coutinho, responsável pelo banco, decretou o recuo do BNDES. Era o melhor a fazer.

Para completar a história, também ontem, em Paris, o conselho de administração do Casino, na presença de Diniz, reprovou a proposta de fusão com o Carrefour. Espera-se que tenha mesmo acabado a interferência indevida do Estado num negócio exclusivo de grupos privados.