Título: Um conto de duas classes médias
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Fonte: O Globo, 21/07/2011, Economia, p. 22

Brasil vê divisão entre quem já fazia parte do grupo e os que entraram, diz "FT"

LONDRES. Segundo o diário britânico de negócios "Financial Times", o crescimento da economia brasileira nos últimos tempos levou à coexistência de duas classes médias. A nova, com renda mensal entre R$1.200 e R$5.174, veio das classes mais baixas e conquistou o acesso a bens de consumo antes inatingíveis. Mas a chamada classe média "tradicional", com renda acima de R$5.174, vem enfrentando alta nos preços de imóveis, alimentos, combustíveis e serviços.

O jornal mostra o exemplo de Melissa Beeby, que comanda o restaurante The Bridge, no Centro Britânico Brasileiro, em São Paulo. Ela contou que a classe média está, basicamente, endividada.

"As pessoas estão jantando mais em casa, e quando saem vão a lugares mais simples", disse Melissa ao "Times". Ela teve de reajustar os preços do restaurante devido à inflação, e os consumidores reclamaram.

Esse grupo, afirma o jornal, é o perdedor do novo milagre econômico brasileiro. Os ganhadores são os pobres - que viram sua renda crescer 37% entre 2003 e 2009 - e a camada mais rica da população, que aproveitou o boom dos mercados acionários e de commodities. As grandes empresas também se beneficiaram com linhas de crédito do BNDES para aumentar a produção e atender à crescente demanda.

Essa classe média tradicional é um universo de cerca de 20 milhões de pessoas, segundo o jornal, contra os 33 milhões que viram sua renda melhorar. O "Times" ressalta que o Brasil não seguiu o exemplo da Índia, onde a classe média tradicional se beneficiou do surgimento de novas indústrias, como a de serviços de tecnologia. No Brasil, ela enfrenta "infraestrutura congestionada e uma competição cada vez mais acirrada por empregos".

Isso, segundo Marcelo Neri, chefe do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas (FGV), representa uma mudança histórica na desigualdade da distribuição de riqueza que vem desde 1888, quando acabou a escravidão.

"Ao mesmo tempo em que muitas pessoas da classe média tradicional concordam com a distribuição de renda, elas temem o quanto isso lhes pode custar", resume o jornal.