Título: O quinto elemento
Autor: Leitão, Míriam
Fonte: O Globo, 21/07/2011, Economia, p. 22

Em todas as reuniões do Copom do governo Dilma o Banco Central subiu juros: cinco vezes. A inflação está alta, em 6,75%, como mostrou o IPCA-15. Não é simples o quadro econômico. A conjuntura externa é complexa. No Brasil, as famílias estão endividadas como nunca estiveram. Juros combatem a inflação, mas elevam o custo das dívidas. Se o BC frear demais a economia, há risco de aumento da inadimplência.

O Banco Central está tomando suas decisões em momento difícil. O mercado de trabalho continua com números fortes, como se viu na terça-feira, com os dados do IBGE e do Caged: a menor taxa da série para o mês de junho; os empregos formais cresceram 6,2% em 12 meses; a massa total de rendimentos subiu 6%; 1,4 milhão a mais de empregos com carteira assinada de janeiro a junho.

Boas notícias, mas com números assim, esperava-se que os atrasos nos pagamentos das dívidas estivessem em queda forte. Não estão. Os números do Banco Central mostram que a inadimplência de pessoas físicas subiu de 5,7% em dezembro para 6,4% em maio, último dado disponível. Essa taxa mede o percentual das dívidas em atraso em relação ao total de crédito. Os números da Serasa Experian são uma conta diferente. Medem o volume bruto da inadimplência. Parte da elevação é apenas o aumento do crédito. Pela Serasa, o aumento foi de 22% nos seis primeiros meses do ano.

O economista-chefe da corretora Prosper, Eduardo Velho, explica que a piora na inadimplência é reflexo do aumento da Selic, que começou em janeiro, e também da maior exigência feita pelo BC aos bancos na hora de emprestar. Velho diz que surgiu um dado preocupante nos últimos dois meses, pelos números da Serasa: a inadimplência bancária, que estava caindo 0,91% em dezembro, passou a subir e chegou a 7,5% de alta em julho:

- É agora que os primeiros sinais da política monetária estão aparecendo. Esse aumento dos atrasos é fruto dos juros, já que o mercado de trabalho e a renda continuam crescendo muito. O movimento não é exacerbado, mas temos uma mudança de vento, com o início de inadimplência bancária. Se houver uma virada grande no mercado de trabalho, a inadimplência vai subir muito.

Ninguém sabe bem no Brasil como lidar com um crédito tão alto. Nem as famílias, nem a autoridade monetária. Pela falta de crédito que havia anteriormente, e ainda como resquício da cultura inflacionária, as pessoas não se acostumam a avaliar o preço do dinheiro antes de tomar crédito. As taxas cobradas em empréstimos pessoais nos bancos, ou no crédito ao consumidor, são altíssimas. Isso eleva o risco de um evento de crédito porque se houver menos emprego, menos oferta de crédito, menos aumento de renda, fica mais difícil pedalar a bicicleta.

A CNC constatou que o percentual de famílias com financiamentos saltou de 57,7% em julho de 2010 para 63,5% em julho deste ano. O número de famílias que relataram dívidas em atraso subiu de 22,8% para 23,7% no período. O percentual das que disseram estar muito endividadas saiu de 14,8% para 17,8%. Não são números alarmantes, mas eles pioraram mesmo com a melhora do mercado de trabalho e o crescimento do crédito. É isso que preocupa.

- Se não fosse o mercado de trabalho, as taxas estariam muito piores. Os números do emprego continuam surpreendendo e isso faz com que a inadimplência fique baixa. Mas os efeitos da desaceleração da economia sobre o mercado de trabalho são mais demorados. Ele é o último a sentir, para pior ou para melhor. É por isso que o Banco Central está monitorando os números e adotando medidas macroprudenciais - afirmou Marianne Lorena Hanson, da divisão econômica da CNC.

Em pesquisa realizada em 27 capitais, a Fecomercio de São Paulo mediu o nível de comprometimento da renda das famílias em 29% de janeiro a maio, mesma taxa do ano passado. Mas o valor médio da dívida das famílias cresceu 17%. Em algumas capitais, a parcela da renda destinada a pagamento de dívidas é maior. Em Natal, subiu de 31% para 39%.

- Um nível de comprometimento da renda de 29% ainda é saudável. Abaixo, por exemplo, do teto de 30% estabelecido pelo Sistema Financeiro Habitacional na hora de fixar o limite para a parcela do pagamento da casa própria. Se não houver descontinuidade do crescimento da renda, o cenário não é de problemas - disse Altamiro Carvalho, assessor econômico da Fecomercio de SP.

O analista de instituições financeiras da Austin Rating Luis Miguel Santacreu diz que os bancos estão atentos, aumentando as provisões. Ele acredita que a inadimplência está mascarada pelo nível de concessão de crédito, que aumenta ao ritmo anual de 20%. As pessoas tomam empréstimo para renovar as dívidas.

- Temos um véu escondendo riscos. O governo sabe que não pode puxar o freio de mão e os bancos estão mais cautelosos porque a luz amarela acendeu. Não será tarefa fácil para o Banco Central fazer um ajuste entre inadimplência e inflação - afirmou Santacreu.

O Banco Central tem que combater a inflação, mas tem ao mesmo tempo que dosar cada movimento. Provavelmente, agora, os juros vão parar de subir.