Título: Um primeiro-ministro na defensiva
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Fonte: O Globo, 21/07/2011, Opinião, p. 6

Boa parte do que há de podre nas relações entre o poder e a imprensa no Reino Unido parecer ter vindo à tona com os desdobramentos do escândalo dos grampos telefônicos feitos por jornais da News Corp. No rastro das revelações, há atingidos em instituições como a Scotland Yard, e as ondas de choque chegam a Downing Street 10, com o primeiro-ministro conservador David Cameron, há pouco mais de um ano no poder, em situação delicada.

No centro do escândalo estão o empresário australiano-americano Rupert Murdoch, de 80 anos, e o império de mídia que ele construiu em vários países. O conglomerado, dono de títulos como ¿The Times¿ e o tabloide ¿The Sun¿ (Reino Unido), ¿Wall Street Journal¿ e o ¿The New York Post¿ (EUA), sente o peso de revelações de falta de escrúpulos na busca de informações para milhões de leitores ingleses. O magnata Murdoch foi posto contra a parede, forçado a depor no Parlamento britânico com o filho James, e, no limite, decidiu fechar o tabloide alvo das denúncias, o ¿News of The World¿, de 168 anos, 2,7 milhões de exemplares vendidos aos domingos (único dia em que circulava). Uma das prioridades do empresário ¿ salvar a executiva Rebekah Brooks, uma das personagens centrais do grampo ¿, não se sustentou, e a jornalista chegou a ser presa por algumas horas.

Decepcionante para a opinião pública foi o envolvimento da Scotland Yard ¿ os dois principais comandantes da força se demitiram por terem contratado ex-funcionários do magnata para a área de comunicação. Um dos oficiais foi colunista de um diário de Murdoch. O escândalo aponta para o esboço de uma grande rede de tráfico de influência envolvendo o empresário e seus executivos ¿ entre eles, seu filho ¿, chefes da polícia londrina e o próprio premier David Cameron. Este voltou às pressas de uma viagem à África do Sul para prestar contas no Parlamento e foi bombardeado pela oposição trabalhista. Cameron, apoiado pelo grupo Murdoch na campanha em que recolocou os conservadores no poder após 13 anos de domínio trabalhista, contratou para assessorá-lo um ex-editor do ¿News of The World¿, Andy Coulson, preso e libertado sob fiança. E o manteve no cargo mesmo quando surgiram informações do envolvimento dele num episódio de grampos. É denunciado um conluio entre um grande empresário de mídia e o governo britânico, sem que o interesse público tenha prevalecido, como deveria ser. Os frequentes contatos entre Cameron e, principalmente, a executiva Rebekah Brooks, na própria residência oficial, levantam suspeitas sobre um dos objetivos da News Corp ¿ a compra do controle do canal de TV por assinatura British Sky Broadcasting, da qual já possui 36%. Murdoch, cauteloso, desistiu do negócio, pelo menos por enquanto.

O império Murdoch está sob suspeita, a Scotland Yard, na berlinda, e Cameron ampliou o escopo do inquérito público que investigará o caso. Mas o premier se mostrou evasivo nas explicações no Parlamento, ontem, e deverá continuar sob fogo cerrado. A oposição trabalhista não quer perder a oportunidade de, eventualmente, tirar os conservadores do poder. Espera-se que a apuração do escândalo seja séria e contribua para tornar mais saudáveis a política e a imprensa britânicas.