Título: Os dois lados da balança
Autor: Oliveira, Eliane; Beck, Martha
Fonte: O Globo, 19/07/2011, Economia, p. 17

Saldo garantido por "commodities" e déficit em bens duráveis revelam baixa qualidade da pauta comercial

Os números da balança comercial brasileira, que no primeiro semestre registrou um superávit de US$12,985 bilhões, são o retrato fiel do que acontece no parque industrial brasileiro: quem vende commodities, ou seja, produtos cotados em bolsas internacionais, sai ganhando. Especialmente alimentos e recursos naturais. Mas quando entram bens de consumo duráveis, máquinas e equipamentos, a realidade muda e fica visível a baixa qualidade da pauta de exportações. Um levantamento da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), feito a pedido do GLOBO, mostra que as indústrias de bens de consumo, máquinas e equipamentos registram, a cada ano, déficits crescentes. O saldo negativo do setor de bens de capital aumentou de US$8,1 bilhões, em 2008, para US$21,4 bilhões em 2010. Em bens de consumo duráveis, no mesmo intervalo, o déficit pulou de US$4 bilhões para US$11 bilhões. Por outro lado, os embarques de matérias-primas e bens intermediários apresentam superávits crescentes, de US$27 bilhões para US$39 bilhões, também de 2008 para 2010.

- Não há como prevermos até onde vai o fôlego das commoditiess para sustentar os saldos da balança comercial. Não temos qualquer controle sobre esses produtos, e esse é o grande problema - disse o vice-presidente da AEB, José Augusto de Castro.

- Exportar commodities não é ruim. Ruim é exportarmos só commodities - afirmou o consultor Welber Barral, ex-secretário de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento.

Abimaq alerta para desindustrialização

O diretor de Competitividade da Associação Brasileira de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), Fernando Bueno, destacou que, no caso das importações, há um duplo prejuízo: o Brasil está importando não apenas mais bens de capital, mas também produtos acabados. Ele lembrou que, em 2004, 40% das máquinas que eram compradas no país vinham de fora. Hoje, esse percentual está em 60%.

- O governo tem resistência em aceitar isso, mas há um quadro claro de desindustrialização. De cada dez máquinas que se compram no Brasil, seis são importadas. O país está exportando minério e importando aço e navios, produtos com elevado valor agregado - disse Bueno, lembrando que o déficit na balança comercial de manufaturados este ano deve atingir US$100 bilhões.

A Associação Nacional de Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) informou que, atualmente, 23% do total de veículos comercializados no mercado interno são importados. Em 2005, o índice era de apenas 5%.

No setor moveleiro, houve uma forte elevação das importações. As compras de outros países saltaram de US$90 milhões para US$189,5 milhões no ano passado, um crescimento médio de 110,51%. O principal fornecedor desses produtos foi a China, de onde as importações cresceram 125%.

- Várias empresas que participavam de projetos para promover os móveis brasileiros no exterior deixaram essas iniciativas por conta do câmbio. Não está fácil exportar - afirmou o presidente da Associação Brasileira das Indústrias do Mobiliário (Abimóvel), José Luiz Fernandez.

Fraudes também afetam resultados

A presidente-executiva da Associação Brasileira de Celulose e Papel (Bracelpa), Elizabeth de Carvalhaes, destacou que o setor sofre não apenas com o câmbio, mas com as fraudes na importação. Pela Constituição, observa, a importação de papel para publicações como jornais e livros é imune - não tem incidência de imposto. O problema é que existem empresas que fraudam licenças e ingressam no país com papel que não se dirige a publicações, para competir com o produto nacional de forma desleal.

- Nos últimos 12 meses, 710 mil toneladas entraram no Brasil como papel imune, mas nunca chegaram ao mercado editorial. Isso dá uma ideia do tamanho das fraudes - enfatizou.

Confirmando o bom desempenho das commodities, a balança comercial brasileira acumula, de janeiro até a terceira semana de julho, um superávit de US$15,717 bilhões. Este mês, o saldo está positivo em US$2,751 bilhões, como resultado de US$12,3 bilhões em exportações e US$9,549 bilhões em importações.

A média diária exportada, de US$1,118 bilhão, aumentou 39,2% em relação a julho de 2010. A média importada, de US$868,1 milhões, subiu 1%.

Até o momento, os maiores destaques nas vendas externas são os básicos, cujos embarques cresceram 53,6%, graças a petróleo em bruto, minério de cobre, minério de ferro, soja em grão, café em grão, carne de frango e fumo em folhas. Nas demais categorias de produtos, contribuíram para esse desempenho alumínios, siderúrgicos, óleos combustíveis, etanol, açúcar refinado, veículos de carga e autopeças.

Nas importações, aumentaram os gastos, principalmente, com adubos e fertilizantes, com uma alta de 64,2%, refletindo o plantio da safra de grãos do ano que vem. Também houve elevações substantivas das compras externas de automóveis e partes (35,4%), plásticos e obras (34,8%), borrachas e obras (24,6%), aparelhos eletroeletrônicos (24%), farmacêuticos (13,4%) e equipamentos mecânicos (13,3%).

- Diante do que acontece, só nos resta torcer para que as commodities continuem demandadas e caras no comércio mundial - disse Castro, da AEB.