Título: Show de humildade de Murdoch
Autor: Duarte, Fernando
Fonte: O Globo, 20/07/2011, O Mundo, p. 31
Aparentando fragilidade, magnata pede desculpas, mas se exime de culpa em sabatina
A FAMÍLIA Murdoch reunida para a sabatina: James (à esquerda) e Rupert Murdoch são observados de perto pela mulher do magnata octogenário, Wendi Deng. Ela esbofeteou o homem que tentou agredi-lo
fduarte@oglobo.com.br
Transformado em inimigo público pela reação furiosa da mídia e das principais autoridades políticas do Reino Unido ao escândalo envolvendo o tabloide ¿News of the World¿, Rupert Murdoch apresentou-se ontem para uma sabatina da Comissão de Mídia, Cultura e Esporte do Parlamento Britânico sob expectativa generalizada de crucificação. No entanto, o magnata de 80 anos não só evitou mais um desastre de relações públicas, como ainda despertou uma certa simpatia depois de um bisonho ataque sofrido pelas mãos de um manifestante que driblou a segurança e tentou lhe alvejar com uma ¿torta¿ de espuma de barbear.
No entanto, Murdoch, que depôs junto com o filho James, diretor-executivo da News Corp, a empresa controladora de seu império de mídia, não se fez de vítima na sessão. Embora tenha feito um novo pedido de desculpas pelas acusações de um esquema generalizado de escutas telefônicas e uma promessa de faxina, o bilionário se recusou a aceitar responsabilidade pelo escândalo que até agora resultou no fechamento do tabloide e numa crise sem precedentes na News Corp. Em um recado claro aos investidores, Murdoch disse que continua na empresa porque é a melhor pessoa para cuidar do caso. A reação do mercado foi rápida: as ações do conglomerado subiram mais de 5% e ajudaram a compensar parte das perdas acumuladas. Ainda assim, ele admitiu ter ficado chocado e envergonhado com as escutas ilegais.
¿ Hoje é o dia da maior lição de humildade da minha vida ¿ disse, em um depoimento que causou filas para a galeria pública desde as primeiras horas da manhã.
Apesar de ter terminado a sessão com piadas e um ar de martírio por continuar na sabatina de três horas após a inacreditável falha de segurança, Murdoch nem por isso esteve à vontade durante todo o tempo do testemunho. Ele sentiu a pressão de participar de um evento como este pela primeira vez nos 41 anos em que opera no mercado de mídia britânico. Sua figura frágil, com longas pausas e lentas respostas não justificava a fama de grão-vizir da política britânica com apoio cortejado por políticos de esquerda e direita. A seu lado, James Murdoch também estava em situação desconfortável: foi criticado por autorizar pagamentos a vítimas dos grampos telefônicos como forma de evitar ações na Justiça. Preparado pelo pai como sucessor, James ouviu nas últimas semanas pedidos para que anunciasse a própria renúncia. No entanto, o executivo, de 38 anos, saiu-se melhor que o esperado. Nos momentos em que o pai parecia acuado, pedia para responder. E chegou a chamar a atenção dele para que gesticulasse menos, ao vê-lo bater na mesa. O Murdoch mais velho intervinha nos momentos em que o filho se mostrava nervoso. Na verdade, os Murdoch agiram como um time na sabatina. A cumplicidade foi tão importante quanto a preparação por advogados e assessores para a sessão parlamentar.
Inclusive na missão de rechaçar as perguntas mais comprometedoras da comissão, fosse com um ¿não sei¿¿ ou com a justificativa de que respostas poderiam comprometer a investigação policial sobre os grampos. Nem sempre com sucesso, porém: James admitiu que a News Corp bancou as despesas legais de Clive Goodman e Glen Mulcaire, o correspondente para assuntos da monarquia e o detetive particular que em 2007 foram presos como parte da primeira investigação.
Rebekah diz que todos têm detetives
Mas foi nesses momentos que a experiência de Rupert como homem de negócios falou mais alto: quando perguntado sobre seu relacionamento com o alto clero da política britânica, mais especificamente em relação às alegações de que costumava entrar pela porta dos fundos da residência oficial do primeiro-ministro, em Downing Street, para não ser notado.
¿ Usei a porta dos fundos porque assim fui instruído. Faço o que me mandam ¿ disse.
Questionado sobre os encontros com primeiros-ministros, fez graça:
¿ Gostaria que eles me deixassem em paz.
O magnata e o filho também foram ajudados pelo desejo dos deputados da comissão de aproveitar os 15 minutos de fama. Repetições de perguntas e longas enunciações por parte dos parlamentares na sessão ¿ cuja transmissão interrompeu até a programação normal de um dos canais abertos da BBC ¿ deram chance para que os dois gastassem tempo.
Rebekah Brooks, antigo braço-direito de Murdoch no Reino Unido, também prestou depoimento ontem. Sua principal estratégia foi atribuir as suspeitas de uso de detetives e proximidade com a polícia durante o período em que editou o ¿News of the World¿, entre 2000 e 2003, a ações disseminadas por toda a imprensa. Ela afirmou ainda que todas as vezes em que usou investigadores particulares as histórias representavam assunto de interesse público. Questionada sobre a periodicidade do uso dos serviços, disse que o órgão regulador já comprovou que a revista ¿Take a Break¿ e o jornal ¿The Observer¿ usam o trabalho destes profissionais com frequência superior a tabloides como o ¿The Sun¿, que também pertence a Murdoch.
A executiva também voltou atrás de uma declaração feita a uma comissão parlamentar há oito anos, quando admitiu que o jornal havia dado dinheiro a policiais em troca de informações. Ontem, disse que jamais autorizou esse tipo de pagamento e que a troca de dados é feita gratuitamente.