Título: Clima ameaça a paz
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Fonte: O Globo, 22/07/2011, Ciência, p. 32

Seca da Somália faz Conselho de Segurança da ONU debater mudanças climáticas

FOME: militares tentam conter pessoas desesperadas por água e comida num campo de refugiados em Badbaado, na Somália. Ninguém sabe quando a chuva voltará

As mudanças climáticas são uma grande ameaça para a paz e a segurança mundiais, alertou ontem Achim Steiner, diretor do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente. Na esteira da escassez de alimentos na Somália, provocada pela maior seca em 60 anos no país, Steiner afirmou que alterações na temperatura global aumentarão ¿exponencialmente¿ a escala dos desastres naturais.

A Rússia, no entanto, bloqueou uma declaração do Conselho de Segurança, proposta pela Alemanha e respaldada pelos outros países ocidentais, que estabelecia a ligação direta entre paz e clima. O embaixador russo Alexander Pankin declarou-se cético à proposta de pôr as mudanças climáticas na pauta daquele conselho da ONU.

Diante da resistência, os países membros do órgão aprovaram um texto que mencionavam ¿possíveis implicações em segurança¿ com as transformações do clima.

Tentativa de acordo falhou em 2007

Steiner, por sua vez, advertiu que um aumento na frequência dos desastres naturais em todo o planeta pode se tornar um grande desafio nas próximas décadas.

¿ Crises recentes, como a da Somália, mostram como nossa capacidade para administrar esse tipo de eventos está se provando falha ¿ alertou. ¿ Particularmente se elas ocorrem ao mesmo tempo e começam a afetar, por exemplo, o mercado global de alimentos, preocupações regionais de segurança, deslocamento de pessoas e produzem refugiados internacionais. A comunidade internacional vai enfrentar claramente, de forma exponencial, esse tipo de eventos extremos.

Segundo os diplomatas, houve intensa negociação entre a Alemanha e Rússia. Esta alegou que a declaração era uma iniciativa desnecessária e que se opunha ao pensamento de muitas nações.

¿ Acreditamos que envolver o Conselho de Segurança no tratamento deste assunto não trará qualquer valor à questão ¿ rejeitou Pankin. ¿ Só levará a uma politização do tema e a mais desacordos.

Já a embaixadora americana Susan Rice considerou que o conselho teria uma ¿responsabilidade essencial¿ de fazer com que a conexão entre paz e meio ambiente provoque ações em todo o mundo.

A declaração final expressou ¿preocupações de que possíveis efeitos adversos das mudanças climáticas, possam a logo prazo, agravar certas ameaças existentes à paz e à segurança internacional¿. O texto também pedia ao secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, para incluir informações sobre estes impactos mencionados nas projeções do clima em seus relatórios sobre pontos de preocupação no mundo.

¿ É fundamental discutir a segurança climática ¿ definiu o embaixador alemão Peter Witting. ¿ Queremos, e conseguimos, pôr todos à bordo da discussão.

O conselho falhou, em 2007, ao tentar atingir o consenso de que as mudanças climáticas seriam uma preocupação para a paz mundial. À época, o assunto foi levantado pelo Reino Unido.

O assunto foi ressuscitado após duas regiões da Somália declararem fome, após a pior seca em seis décadas. Para fazer essa declaração, é preciso que mais de 30% das crianças estejam com desnutrição aguda, e quatro em cada 10 mil morram diariamente. Mais de 10 milhões de pessoas já foram afetadas pela crise.

A seca, no entanto, já era previsível há pelo menos um ano, considerando o regime climático seguido pela região há meio século, além dos alertas ligados à escassez de alimentos. Pesquisadores avaliam o impacto que mudanças ainda mais severas no padrão de chuvas causarão nas principais culturas agrícolas africanas, em especial o trigo, particularmente vulnerável à falta de água.

Um aumento de 1 grau Celsius nos termômetros pode resultar em perdas de colheita em 65% das regiões africanas onde se cultiva milho. E se além do calor também não chover, 75% do cinturão do milho do continente perderão o equivalente a 20% de sua colheita.

¿ A projeção dos impactos das mudanças climáticas na produção de alimentos tem sido prejudicada por não sabermos exatamente como cada cultura reagirá ao calor ¿ admite David Lobell, pesquisador do Centro de Aperfeiçoamento do Trigo e da Universidade Stanford, nos EUA.

O instituto de Lobell comparou observações feitas em diversas áreas de cultivo de milho à de 20 mil pés cultivados na África Subsaariana. Os resultados do estudo serão publicados em breve no primeiro número da revista ¿Nature Climate Change¿.