Título: Para 32 países, rebeldes governam a Líbia
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Fonte: O Globo, 16/07/2011, O Mundo, p. 37

Reconhecimento abre caminho para acesso da oposição a fundos congelados e pode ajudar a romper impasse na guerra

ISTAMBUL. Trinta e dois países ocidentais e árabes, incluindo os Estados Unidos, e outras sete organizações internacionais, como a Liga Árabe, reconheceram ontem o Conselho Nacional de Transição (CNT), comandado por rebeldes, como o governo legítimo da Líbia. A medida anunciada durante a reunião do Grupo de Contato da Líbia aumenta a pressão para o ditador Muamar Kadafi deixar o poder e facilita o acesso dos insurgentes a bilhões de dólares em fundos congelados do país no exterior - o que deve se traduzir em mais armas para o seu exército improvisado e, consequentemente, a chance de romper o impasse que marca a guerra no país. Ela foi rejeitada pelo ditador numa mensagem transmitida durante uma manifestação de rua.

EUA: rebeldes deram garantias democráticas

As ações para pressionar Kadafi e romper o impasse de cinco meses de conflito não param aí. A Otan planeja aumentar as ações militares, num momento em que circulam rumores de que o ditador teria enviado emissários para negociar o fim do conflito. E o enviado especial da ONU à Líbia, Abdul Elah al-Khatib, deverá levar a Trípoli uma proposta do grupo, que inclui um cessar-fogo.

- Até que haja uma autoridade interina, os EUA vão reconhecer o CNT como governo legítimo - disse a secretária de Estado, Hillary Clinton, aplaudida ao anunciar a decisão americana de também reconhecer o conselho. - O CNT apresentou importantes garantias hoje, incluindo a promessa de buscar uma reforma democrática que seja inclusiva geográfica e politicamente. Eles sabem, como todos nós sabemos, que não é mais uma questão de se Kadafi deixar o poder, mas quando.

A medida foi comemorada pelo CNT, embora reconhecesse que seria "liberado apenas um determinado percentual (do dinheiro congelado) sob certas condições". E considerada sem valor por Kadafi, numa mensagem de áudio transmitida para milhares de simpatizantes reunidos em Zlitan, 150 quilômetros a leste de Trípoli.

- Podem reconhecer um milhão de vezes o chamado Conselho Nacional de Transição, isso não significa nada para o povo líbio - disse o ditador, acrescentando: - Pisoteiem esse reconhecimento, coloquem-no sob seus pés. Não vale nada.

Muitos países já haviam reconhecido o conselho, e a decisão de ontem demonstra uma posição unida do grupo, embora China e Rússia tenham se recusado a participar.

O respaldo diplomático facilita o acesso da oposição ao dinheiro bloqueado, embora ainda não esteja claro como isso será feito. Só nos EUA, são mais de US$30 bilhões. O ministro de Relações Exteriores da Turquia, Ahmet Davutoglu, anunciou que seu país emprestará US$200 milhões ao CNT, usando como garantia os fundos bloqueados. A mesma fórmula foi adotada pela Itália para anunciar ontem uma linha de crédito no valor de 140 milhões, que pode ser ampliada em mais 425 milhões se for incluído fornecimento de petróleo. Eles podem ainda ser seguidos por outros países, como Espanha, que preferiram aguardar o apoio da União Europeia. Com a produção de petróleo atualmente parada, os rebeldes dizem que poderiam exportar um milhão de barris por dia de três a quatro meses após Kadafi deixar o poder.

Opositores perdem batalha na cidade de Brega

Embora publicamente não admitam, é cada vez mais visível entre os membros do Grupo de Contato o cansaço diante de uma campanha militar que se arrasta há meses e cujo desfecho parece incerto, destacam fontes. Já não se descarta que o ditador possa permanecer na Líbia, sob determinadas condições, apesar da ordem de prisão emitida pelo Tribunal Penal Internacional.

Mesmo com apoio internacional, os rebeldes pararam de avançar. Eles fracassaram na tentativa de tomar Brega, onde travaram uma batalha na quinta-feira, tendo que recuar novamente. A guerra está estagnada há meses. Os rebeldes controlam o leste e bolsões no oeste, mas não conseguem avançar em direção a Trípoli - apesar de a Otan já ter realizado mais de seis mil ataques aéreos contra as forças do regime.

O Reino Unido, que ontem anunciou o envio de mais quatro aviões de combate para a missão, destruiu na quinta-feira um caminhão com soldados em Zlitan, perto de Misurata - uma das poucas cidades rebeldes do oeste e que tem resistido às pesadas investidas das tropas de Kadafi. Só aviões britânicos já destruíram 500 alvos militares.

- Enquanto tivermos munição, vamos resistir. Mas não estamos nos movendo - contou um combatente rebelde que se identificou como Bashir.