Título: A faxina não tem limite
Autor: Moreno, Jorge Bastos
Fonte: O Globo, 23/07/2011, O País, p. 3

Dilma diz que transformará os Transportes na base da infraestrutura do país; e também fala de amenidades

A PRESIDENTE DILMA: ¿Uma das coisas mais tristes da política é a ingratidão¿

Depois de seis meses e 29 dias contados em pauzinhos, feito calendário de cadeia, o ministro do Turismo, Pedro Novais, e eu fomos chamados ao Palácio para darmos explicações sobre nossas saliências.

Como primeiro ¿blogueiro limpo¿ do governo, fui recebido, com pompas e circunstâncias, no palácio residencial do Alvorada, para um jantar. Não tinha visto ainda o Alvorada depois da reforma. Fiquei embasbacado, ao ponto de a anfitriã, a presidente Dilma, comentar:

¿ Você está parecendo a filha pequena do Obama, que disse uma coisa bonita ao entrar aqui. Ela não disse Palácio, disse casa: ¿Esta é a casa mais bonita que já vi na minha vida. Achei lindo!¿

Fui fantasiado de repórter: gravador, bloco de papel, iPhone 4 e até caneta. Pensei: vai que num dia cheio como hoje, em que recebeu e negou-se a receber tanta gente, a presidente resolve falar. Suei frio só de pensar que ela quisesse me falar dessa maldita política industrial e, aí, eu tivesse de trabalhar.

Mas a Dilma estava furiosa era com a Norma Pimentel Amaral.

¿ Estou detestando a Norma! Não gosto do que ela faz, do seu jeito de agir.

Passei a ter certeza de que, se a Norma Pimentel fosse do Dnit, já tinha sido afastada.

Aliás, quando eu estava chegando ao Alvorada, recebi um torpedo do diretor de Redação do GLOBO, Rodolfo Fernandes, assim: ¿Pergunta até onde vai a faxina?¿

Ora, fui chamado para jantar na intimidade do poder só porque não sou desses repórteres chatos que querem saber de tudo. Eu só quero comer de tudo. A Dilma tinha preparado um banquete para mim, e não ficava bem eu incomodá-la. Mas chefe é chefe, e tive que cumprir a missão

¿ Presidente, por mim, não tocava nesse assunto chato, mas o Rodolfo Fernandes me mandou perguntar até onde vai a faxina ¿- perguntei, tremendo de medo.

E ela se derreteu:

¿ Pois diga que o que ele chama de ¿faxina¿ não tem essa coisa de limite. O limite é mudar o Ministério dos Transportes. É transformar o Ministério dos Transportes naquilo que é o seu próprio papel: a base da infraestrutura do país. Mas também é bom que todos saibam que não estamos agindo politicamente contra um partido. A ação é sobre pessoas que agiram de forma errada, e nem todas essas pessoas são de um mesmo partido. Isso precisa ser esclarecido.

Quando eu ia aprofundar o assunto, a presidente foi salva pelo gongo, com a chegada de uma convidada especial do jantar:

¿ Eu pedi para a ministra Helena Chagas não te avisar que teríamos a presença da sua nova musa: a ministra Gleisi Hoffmann.

E eu, já gaguejando de emoção:

¿ Eu fui o primeiro a dizer que ela seria ministra, e meus seguidores do Twitter brincaram que a senhora aceitou minha sugestão.

E a presidente:

¿ Pode espalhar que você que indicou. Eu deixo. E terás tomado uma das melhores decisões da tua vida.

Depois disso, nem foi mais preciso eu perguntar se ela chamava a ministra de ¿a Dilma da Dilma¿.

Eis os principais trechos da nossa conversa:

Solidão do poder

Com um governo tão agitado, Dilma diz ainda não ter experimentado a chamada solidão do poder:

¿ Passei a conviver, isto sim, com a decisão solitária. Presidente da República tem que decidir e ser responsável pela decisão. É o momento grave, importante, que eu tenho comigo mesma. Posso ouvir e ouço, mas a decisão é minha. Essa é a maior responsabilidade do presidente da República: saber decidir.

¿ E, nessa hora sagrada, a senhora não pensa, por exemplo, o que fariam seus antecessores diante de situação semelhante? Sendo mais direto, a senhora não pensa se a sua decisão vai agradar ao Lula ou não?

¿ Olha, a responsabilidade é tão grande que a gente não pensa em agradar ou desagradar. A gente só pensa em tomar a decisão mais justa, mais correta. A responsabilidade é do presidente da República perante a nação. A responsabilidade do presidente da República é intransferível. Não dá para pensar em ninguém.

Amizade com FH

Eu não ia entrar neste tema, mas foi a própria presidente que invadiu primeiro a minha intimidade.

¿ Você tem que se definir entre a Mariana Ximenes e a Manuela D¿Ávila ¿ cobrou ela, sobre um assunto que falo mais adiante.

Foi a deixa para eu entrar no tema preferido do colunista Nelson Motta:

¿ A senhora vive o mesmo dilema. Eu soube que o Lula cobra muito da senhora esta sua amizade com FH.

Dilma reage no lance, quase pulando da cadeira:

¿ Não é verdade! Isso não é verdade! O presidente Lula nunca tratou desse tema comigo, nem em brincadeira!

¿ Diretamente, não. Mas ele já se queixou para terceiros na sua frente.

Diante do fato, a confissão inevitável, e às gargalhadas:

¿ Meu Deus! Como esse Sérgio Cabral é fofoqueiro! Ah, ele me paga! Pode escrever, ele me paga!

E já como ré confessa:

¿ Realmente, o presidente Fernando Henrique é uma pessoa muito civilizada, muito gentil. É uma conversa muito agradável. Tem gente que fica estarrecida com essa convivência, já que temos pensamentos políticos diferentes. Exatamente por isso é que as pessoas devem conversar. O governante, o político, não pode ficar limitado ao pensamento do seu grupo. Eu defendo a convivência dos contrários. Há pessoas muito agradáveis e inteligentes no governo e na oposição. Acho que, não só pelo prazer da boa prosa, mas, como presidente da República, tenho o dever de conversar com os diversos pensamentos da sociedade. Eu não sou presidente de um partido ou de uma coligação partidária, eu sou presidente da República.

E eu insistindo:

¿ Mas o PT não fica com ciúmes do FH?

¿ O PT já tá bem grandinho para não ter ciúmes de ninguém. Ciúme é um sentimento juvenil, eu acho.

Tento mais uma investida, já na saída do encontro:

¿ FH diz ter muitas saudades da piscina daqui. Quando ele era presidente, trouxe Lula aqui. Deixa ele tomar banho na piscina daqui, presidente!

E a presidente, toda faceira, fazendo-se de desentendida:

¿ Mas neste frio?

Pronto, FH, bem que tentei te ajudar, mas não consegui.

Moda & musa

Dilma quis saber tudo sobre Mariana Ximenes. O gancho foi fácil, mas quase provoca uma briga entre as mulheres: os meus sapatos. Em resposta aos elogios, informei:

¿ Presente da Mariana Ximenes. Ela pediu para eu usá-los neste jantar.

¿ Lindos ¿ comentou a ministra Helena Chagas.

¿ Ferragamo ¿ identificou Gleisi.

Respondi:

¿ Caríssimos!

Helena balança a cabeça de vergonha com a minha indiscrição.

Aí, começou a confusão. A Helena Chagas estranhou um sapato com furos, mas sem cadarço. A presidente zombou:

¿ Helena, está na moda esse tipo de sapatos. Eu já vi vários assim, não tão lindos como estes. É chique: sapatos de cadarços sem cadarços.

Política e apoio

A presidente quis saber a diferença de idade entre a Mariana e a Manuela. Chocou-se ao saber que tinham a mesma idade: 30 anos.

¿ Gente, eu conheci a Manuela menina. As duas não parecem ter essa idade.

Fiz o comercial da Manu:

¿ E agora a senhora vai vê-la prefeita de Porto Alegre, se o PT deixar.

¿ Mas o Tarso Genro me garantiu que vai apoiá-la!

(Ah, se o jornal cortar esta parte!)

Fidelidade a Lula

A presidente sabe a data exata em que ela e Lula passaram a conviver com mais intimidade.

¿ O curioso é que ele falava com todo mundo, menos comigo. Não me dava a menor pista de que eu era a escolhida. Hoje nós nos entendemos só com olhar. Não há como tentar nos separar.

Mesmo assim, eu tento:

¿ O Lula tá agora em campanha pelo Nordeste. Campanha para quem?

A presidente rebate:

¿ Lula nasceu no meio do povo. Não imagino o Lula trancado num escritório. Ele é da rua, das praças. Adoro vê-lo beijando as pessoas nas ruas, fazendo um afago na dona Canô e fazendo a festa no Nordeste.

Os mais queridos

Dilma sobre governadores:

¿ Tenho uma boa convivência com todos eles, inclusive com os da oposição. Gosto muito, mas gosto muito do Anastasia, por exemplo. E o Téo Vilela, o que é aquilo? Que simpatia, todo manhoso. É difícil não o atender! Eu adoro o Eduardo Campos, adoro a mulher dele, dona Renata. Eu só chamo assim porque o Eduardo Campos só chama ela de ¿dona Renata¿. Ah, deixa eu falar do Jaques Wagner. Meu Deus! Se eu me esquecer do Jaques Wagner, não volto à Bahia.

Mas o destaque vem mesmo para os meninos do Rio:

¿ Confesso que, no governo Lula, eu tinha um pouco de ciúmes com o Cabral. Agora deveria ocorrer o inverso: o Lula ter ciúmes do Cabral. Só que Lula também adora o Cabral. Pezão, nem se fala. Pezão é companheiro que todo governante gostaria de ter por perto... ¿ e desanda a falar do vice-governador, chamando-o de ¿o leão da montanha¿, por tê-lo visto trabalhando como louco na tragédia da Serra.

Brinco que, em vez de ciúmes, Maria Lúcia, a mulher de Pezão, fica toda orgulhosa dessa relação. E ela:

¿ A Maria Lúcia é um doce de pessoa. Ela sabe, e eu já disse isso pro Pezão, que o marido dela não tem olhos para mim, só para o dinheiro do governo. O Pezão não sabe a cor dos meus olhos. Ele parece a história do Tio Patinhas, que no lugar dos olhos da pessoa só via duas moedas. Ele só sabe pedir e pedir dinheiro.

Injustiça a um brasileiro.

Dilma fala com o coração:

¿ Uma das coisas mais tristes da política é a ingratidão. O exemplo maior é Ulysses Guimarães. Devemos ao esforço dele, à luta dele, o fato de estarmos hoje numa democracia. É muito triste o que fizeram com ele.

Foi aí que fiz a minha primeira provocação contra o principal aliado, o PMDB:

¿ Fizeram isso com ele e farão com a senhora. Aliás, já fizeram: tiraram a senhora e ele do programa de TV. Eu disse ao seu vice que o doutor Ulysses, nesse veto, estava em boa companhia.

E a presidente, tampando a boca como se estivesse surpresa e docemente constrangida:

¿ Você falou isso para o vice-presidente?

A presidente disse que os ensinamentos políticos de Ulysses Guimarães nunca perderão a atualidade. E lembrou uma de suas famosas frases:

¿O corrupto suja a denúncia que faz. Quando aponta o erro, não quer justiça, quer cúmplice.¿

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