Título: Não há como mascarar o déficit
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Fonte: O Globo, 17/07/2011, Opinião, p. 6

Há, sem dúvida, nos números da previdência uma boa dose de assistência social. As aposentadorias e pensões rurais, por exemplo, contribuem consideravelmente para o atual déficit, de mais de R$40 bilhões, pois as contribuições oriundas do campo são relativamente baixas em relação aos benefícios concedidos. Explicitar esses números, como deseja o Ministério da Previdência, facilitaria a análise das finanças do setor. Mas se o objetivo dessa divulgação for destacar o fato de existir, no presente, um equilíbrio na "previdência urbana", a iniciativa serviria apenas para retardar a inevitável reforma no sistema.

O detalhamento dos números da previdência não fará com que o déficit desapareça. O rombo continuará a existir e a sua fonte de financiamento permanecerá a mesma, o Tesouro Nacional (ou melhor, os contribuintes, via pagamento de tributos). Em termos das finanças públicas consolidadas, o resultado final não será alterado, embora as fontes de desequilíbrio possam ficar mais claras.

O equilíbrio na chamada previdência urbana infelizmente é conjuntural. Deve-se a uma melhora dos salários e a um processo de formalização da mão de obra. No entanto, esse efeito positivo acabará sendo neutralizado pelo número crescente de aposentadorias e pensões. Para se ter uma ideia, enquanto a população ocupada tem se expandido a taxas de 3% ao ano, a de aposentados e pensionistas evolui a um ritmo de 4%. E os estreantes no mercado de trabalho aumentam cerca de 1,3%, com tendência declinante. Mesmo considerando-se que, em números absolutos, existe um numeroso contingente de desempregados ou mal empregados que pode ser incorporado ao mercado, passando a contribuir para a Previdência, haverá uma discrepância entre as curvas de crescimento das contribuições e dos benefícios.

Por isso, mais cedo ou mais tarde o ajuste ocorrerá. Quanto mais cedo, melhor, pois a mudança poderá ser gradual, atingindo menos as gerações que, pelas regras atuais, estariam mais próximas da aposentadoria ou do recebimento de outros benefícios.

Para as novas gerações, se a mudança de regras ficar explicitada desde logo, haverá tempo suficiente de adaptação, inclusive para planejamento financeiro e formação de poupança de longo prazo.

Além de uma questão de justiça, não se pode subestimar os impactos macroeconômicos da trajetória das contas da Previdência. As demandas sociais no Brasil são enormes e geram uma pressão constante sobre as finanças públicas. Porém, um dos maiores desafios econômicos do país está na formação de uma poupança doméstica, para o qual o setor público precisa contribuir. Ainda que tenhamos uma carga tributária excessiva, e o crescimento da economia venha reforçando os cofres governamentais, o Brasil ainda acumula um desconfortável déficit público. Ou seja, esse setor avança sobre a poupança doméstica para se financiar, reduzindo-a, o que, por sua vez, limita a capacidade de investimento nacional. Desse modo, a economia brasileira tem dificuldades para atender à demanda com uma oferta interna de bens e serviços. Passa a depender mais de poupança e fica à mercê de uma inflação crônica - o que nos obriga a conviver com taxas de juros muito altas.