Título: Reveses de Cristina em busca da reeleição
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Fonte: O Globo, 17/07/2011, Opinião, p. 6
A presidente Cristina Kirchner segue sendo favorita à reeleição em 23 de outubro. Tem a favor a fragmentação da oposição na Argentina, o elevado crescimento da economia - impulsionado pelos altos preços de commodities que o país exporta - e até, por que não?, sua condição de viúva fragilizada pela morte do mentor político e ex-presidente Néstor Kirchner. Nem por isso é um governo amplamente popular.
A Casa Rosada sofreu um importante revés eleitoral dia 3, no primeiro turno das eleições para a prefeitura da capital, Buenos Aires, nas quais o candidato oficial, Daniel Filmus, foi duramente derrotado pelo atual ocupante do cargo, o oposicionista Mauricio Macri. Analistas políticos não consideram possível reverter a situação no segundo turno, dia 31. E antecipam derrotas dos candidatos kirchneristas também nos pleitos para governador de Santa Fé, dia 24, e de Córdoba, a 7 de agosto.
O governo federal tem sofrido baques importantes nas últimas semanas, como a exposição pública de irregularidades financeiras envolvendo a administração da Fundação das Mães da Praça de Maio, tão ligadas ao casal Kirchner que Néstor e Cristina se declararam seus filhos; ou o insucesso no primeiro exame de DNA para provar que os filhos da dona do diário "El Clarín" teriam sido retirados à força de prisioneiras políticas durante a ditadura militar. O governo argentino trava uma batalha intensa contra o Grupo Clarín e o "La Nación", por praticarem o jornalismo independente.
Ainda assim Cristina Kirchner é favorita às eleições de 23 de outubro. Mas, se a economia vai bem, o mesmo não se pode dizer das instituições argentinas, fragilizadas sistematicamente pelo projeto de poder urdido por Néstor Kirchner. É notória, por exemplo, a intervenção no organismo oficial Indec, que calcula a inflação, para manipular os índices. Em consequência, a perda de credibilidade do país foi tão grande que a Argentina teve de aceitar uma missão do FMI para "ensinar" aos técnicos do governo a metodologia correta.
Em nada contribui para o desarme do sempre crispado ambiente político argentino a insistência kirchnerista no confronto como forma de ação política. O governo que há oito anos representa a maioria popular sempre negou às minorias, aos dissidentes ou aos independentes o direito de expressar suas ideias. Os que se arriscam a fazê-lo correm o risco de sofrer sérias consequências, como assinalou recentemente a Sociedade Interamericana de Imprensa, depois de enviar representantes à Argentina.
Escreveu o colunista Adrián Ventura, no "La Nación": "Em muitas ocasiões o governo invocou leis contra monopólios imaginários, acionou na Justiça veículos de comunicação críticos e arruinou reputações. E o secretário de Comércio, Guillerme Moreno, persegue com multas e denúncias os institutos privados que calculam índices de inflação diferentes dos do Indec."
Pode-se esperar que, reeleita, Cristina mude o estilo do segundo mandato, trocando o confronto pelo diálogo, e as ações de cunho ideológico pelo incentivo ao mérito e à transparência. Mas não há grandes esperanças.