Título: País cresce com importação de cérebros
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Fonte: O Globo, 31/07/2011, Opinião, p. 6

O ministro Aloizio Mercadante anunciou no início da semana que o Brasil deverá promover, em breve, um concurso para recrutar pesquisadores e docentes estrangeiros para a área científico-tecnológica do país. O objetivo é suprir carências de cérebros, mão de obra especializada nos setores de pesquisa e produção de empresas e da Universidade - que, de resto, não se restringem à área de atuação do Ministério da Ciência e Tecnologia. A ideia, segundo Mercadante, é abrir vagas para pesquisadores temporários em instituições de ponta que contribuam para a formação interna de profissionais ultraespecializados e para o desenvolvimento científico do país. A iniciativa é necessária e oportuna.

Necessária porque o Brasil enfrenta, sem atender, uma grande demanda de recursos humanos. Um estudo do MCT, de 2009, revelou que o crescente déficit de mão de obra especializada será responsável, até 2013, pela existência de pelo menos 200 mil postos de trabalho qualificado não preenchidos, somente na área de tecnologia da informação. Tem-se a dimensão total dessa carência quando se constata que o país está crescendo em praticamente todos os setores de pesquisa, produção e consumo, de que são evidências inquestionáveis os números positivos da economia e a busca maciça de empresas estrangeiras pelo mercado brasileiro.

São os números desse crescimento interno que tornam oportuna a providência. Até aqui praticamente salvaguardado dos solavancos da crise que joga no caminho da incerteza econômica países mais desenvolvidos, tradicionalmente celeiro ou abrigo dos melhores cérebros do mundo, o Brasil tornou-se viável alternativa de acolhimento de pesquisadores vítimas do estreitamento do mercado de trabalho, dentro e fora da Universidade. Mercadante foi explícito ao anunciar o programa brasileiro de atração de recursos humanos qualificados: o alvo são pesquisadores que perderam seus postos por causa da crise externa. Estima-se que somente na Nasa sejam quatro mil.

Há precedentes históricos que justificam tal política. Após a Segunda Guerra, os Estados Unidos e a União Soviética cooptaram algumas das maiores inteligências disponibilizadas pela derrocada da Alemanha nazista. Aqui mesmo no Brasil foi decisiva a participação de mestres franceses - como Lévi-Strauss, Roger Bastide e outros - na estruturação da USP. É possível que implicações legislativas embaracem um programa mais amplo de importação de cérebros, por conta do chamado Estatuto dos Estrangeiros. Trata-se de uma lei de 1980, contaminada pelo espírito intolerante e autocrático do ciclo de autoritarismo, e que não passou por depurações que a adequassem ao arejamento político do país. Que o seja, portanto.

No século passado, houve no Brasil uma diáspora científico-tecnológica. Sem perspectivas ou oportunidades profissionais, econômicas e até sociais, nossos melhores cérebros foram contratados por institutos internacionais de pesquisa, e deram inestimável contribuição ao desenvolvimento de outras nações. Trata-se agora não só de lhes mostrar o caminho inverso, mas de manter os talentos que surgem nas instituições nacionais de estudos qualificados. E também de abrir as portas para a vinda de profissionais e pesquisadores estrangeiros que, com sua experiência, ajudem o país a crescer com mais qualidade.