Título: Escândalo testa fiscalização do Estado
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Fonte: O Globo, 30/07/2011, Opinião, p. 6

Fonte inesgotável de desmandos, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), convertido em sinônimo de corrupção na estrutura do Ministério dos Transportes, acaba de gerar a primeira evidência de malfeitos envolvendo um funcionário nomeado na crise da "faxina" em execução pelo governo Dilma.

Marcelino Augusto Rosa, promovido a coordenador-geral de Operações Rodoviárias do Dnit, é personagem de um caso clássico de nepotismo e choque de interesses, relatado por O GLOBO: sua mulher, Sônia Lado Duarte Rosa, atua no departamento como procuradora de oito empresas, a maioria do ramo de sinalização de rodovias, assunto da área de Segurança e Engenharia de Trânsito, coordenada pelo marido antes de assumir o novo cargo. Clientes de Rosa conseguiram dobrar o valor de contratos por meio dos conhecidos aditivos. Impossível não relacionar a eficiência da procuradora ao poder de decisão do marido, ontem afastado, depois da reportagem. Já se sabia de pelo menos um outro evidente exemplo de nepotismo e corrupção, o do filho do ministro afastado Alfredo Nascimento (PR-AM), Gustavo. O patrimônio empresarial do afortunado rapaz foi às nuvens, impulsionado por contratos fechados devido à clara interferência do cargo paterno.

Brasília é terreno adubado para conflitos de interesse, e em diversos Poderes. Até no Supremo, como mostra a história da viagem de lazer do ministro José Antonio Toffoli à Ilha de Capri, Itália, para o casamento do advogado criminalista Roberto Podval, de cuja conta bancária saiu o pagamento de pelo menos as diárias do hotel cinco estrelas do magistrado. Não constrangeu as partes o fato de Podval advogar na Corte em que Toffoli trabalha.

Diante de costumes, digamos, tão frouxos, resta confiar nos instrumentos de fiscalização do Estado. Eles existem e, volta e meia, dão sinal de vida. A Controladoria Geral da União (CGU), a Polícia Federal e o Tribunal de Contas da União (TCU), organismo do Legislativo, costumam frequentar o noticiário em casos de detenção de prefeitos pilhados em desvio de verbas federais ou na descoberta de superfaturamentos pornográficos em obras públicas. Mas, na questão do Ministério dos Transportes/Dnit, ficou a impressão de que a estrutura de vigilância do Estado existente no Executivo poderia ter sido mais ativa. Seria injusto acusá-la de omissão. O próprio ministro Jorge Hage, da CGU, assim que explodiu o escândalo anunciado da atuação do balcão de negociatas nos Transportes/Dnit gerenciado por Valdemar Costa Neto (PR-SP), foi ferino: "O Dnit tem o DNA da corrupção." Sem reparos.

A controladoria já denunciara, em relatório, ser "praticamente inviável" auditar licitações feitas pelo Dnit, onde foi montado um esquema administrativo para barrar qualquer investigação. Na Polícia Federal há 60 inquéritos em andamento para averiguar denúncias de corrupção em obras rodoviárias licitadas pelo Dnit. Também no TCU há registros inúmeros de indícios de desvio de dinheiro público no mesmo departamento. Pode ser que, por injunções político-partidárias, o assalto continuado ao Tesouro cometido pelo PR e apaniguados, por meio dos Transportes/Dnit, tenha ficado em gavetas no Planalto. E que por isso os organismos de fiscalização tenham recuado, se tornado menos diligentes, sem cumprir a missão de representantes do Estado e da sociedade. A hipótese é preocupante.