Título: De mãos atadas frente a Assad
Autor: Malkes, Renata; Oliveira, Eliane
Fonte: O Globo, 02/08/2011, O Mundo, p. 24

ONU tenta nova condenação, mas Exército da Síria mata mais 85 civis após orações do Ramadã

O presidente americano, Barack Obama, condenou. A União Europeia anunciou novas sanções, aumentando para 35 os funcionários do governo de Damasco em sua lista negra. O Conselho de Segurança das Nações Unidas também se reuniu às pressas, mas todos os esforços diplomáticos para impedir o que já se chama de "o massacre do Ramadã" na Síria parecem em vão. A pedido da Alemanha, o conselho voltou a debater o rascunho de uma resolução contra o país - sob a ameaça de veto de Rússia e China, além de membros não permanentes, como Brasil, Índia, Líbano e África do Sul. Aparentemente alheio à movimentação diplomática, em Damasco, o presidente sírio, Bashar al-Assad, elogiou as ações de seu Exército. Depois de provocar, segundo ativistas, a morte de pelo menos 140 civis no domingo, a ofensiva das tropas sírias para conter as manifestações antigoverno fez ontem pelo menos mais 85 vítimas no primeiro dia do mês sagrado dos muçulmanos.

À noite, a cidade de Hama seguia cercada por tanques. Testemunhas relatavam, via Twitter, que bairros residenciais, como Dawar Bilal, a poucos quilômetros do centro, foram bombardeados por disparos de artilharia. Pelo menos 85 pessoas morreram, entre elas um menino de 14 anos identificado como Wisam Alaa al-Din. O ataque começou logo após o iftar, a refeição que, ao anoitecer, rompe as longas horas de jejum feitas durante o dia pelos muçulmanos durante o Ramadã. Soldados e a milícia pró-regime, conhecida como shabiha estariam metralhando aleatoriamente quem se atrevesse a andar pelas ruas. Fontes ouvidas pela rede al-Jazeera afirmaram, ainda, que houve protestos e represálias violentas nas cidades de Deir el-Ezzor, no oeste do país, e em Zabadani, junto à fronteira com o Líbano. Num sinal preocupante, a capital, Damasco, até então hesitante, também registrou seis mortes no distrito de Erbin.

Ibas decide enviar delegação ao país

Segundo diplomatas, a condenação debatida pela ONU é semelhante à apresentada - e vetada - dois meses atrás. O documento, cujo valor é simbólico, não pede sanções, intervenção militar ou o envio de autoridades sírias ao Tribunal Penal Internacional, como exigiam órgãos como a Anistia Internacional. Apesar de velhos aliados sírios como a Rússia e a Turquia terem mudado de tom e condenado o massacre de civis, o impasse sobre a ingerência internacional no conflito abriu uma brecha para a ação do Ibas - o grupo formado por Brasil, Índia e África do Sul. O bloco anunciou que enviará a Damasco, ainda nesta semana, uma delegação para convencer o presidente sírio a buscar uma saída pacífica para a crise e impedir a morte de civis.

- Achamos que uma decisão sobre a Síria, que não goze de consenso, ficará fragilizada. O Brasil já indicou que uma condenação não seria útil politicamente. Não dá para acirrar o ambiente político interno - disse o porta-voz do Itamaraty, embaixador Tovar Nunes.

Bashar al-Assad, no entanto, parece isolado. Segundo a agência estatal Sana, o presidente trocou cumprimentos com "vários líderes árabes" pelo Ramadã - mas nenhum foi citado nominalmente. Ontem, ele visitou o hospital militar de Tishreen, em Damasco, onde soldados feridos recebiam tratamento após o que o governo chamou de "confrontos com grupos armados".

Agora, no epicentro da batalha, está Hama, no centro da Síria, tradicional bastião do enfraquecido, mas ativo, grupo islâmico Irmandade Muçulmana. Para alguns analistas, a violência na cidade sinaliza uma possível nova estratégia do presidente para conter a revolta que se arrasta por cinco meses - transformar a crise em uma disputa entre religiosos e seculares. O cenário remete ao início da década de 80, quando tropas do presidente Hafez al-Assad, pai de Bashar, matou 20 mil pessoas para sufocar um levante da Irmandade Muçulmana na cidade.

- Hama, tradicionalmente, concentra uma grande população sunita e religiosa - explicou ao GLOBO o analista político independente Mouin Rabbani. - Os protestos estão por todas as províncias, mas enquanto goza do silêncio relativo da grande classe média de comerciantes de Damasco e Aleppo, que temem por seus negócios e ainda hesita em aderir à oposição, o regime parece ter decidido se concentrar em Hama. Parece querer dar à repressão a imagem de uma disputa religiosa. Como em 82. Bashar busca uma justificativa para seus erros.

Com agências internacionais