Título: O presidente entregou os pontos
Autor: Eichenberg, Fernando
Fonte: O Globo, 02/08/2011, Economia, p. 17

Um acordo para elevar o teto de endividamento federal está sendo costurado. Se aprovado, analistas comentarão que o desastre foi evitado. Mas eles estarão equivocados.

Pois o acordo em si, considerando os dados disponíveis, é um desastre, não apenas para o presidente Obama e seu partido. Ele vai afetar uma já deprimida economia; provavelmente vai tornar o problema do déficit americano a longo prazo pior; e, mais gravemente, ao provar que a extorsão funciona e não tem custo político, empurrará os EUA para um padrão República de Bananas.

Comecemos com a economia. Temos hoje uma economia profundamente deprimida. Provavelmente continuaremos a ter uma economia deprimida ano que vem. E provavelmente em 2013 também. A pior coisa que se pode fazer nessas circunstâncias é cortar os gastos do governo, pois isso aprofundaria a depressão. Não preste atenção àqueles que invocam a fada da confiança, afirmando que um aperto no Orçamento tranquilizará empresas e consumidores, levando-os a consumir. Não funciona assim, como mostra a História.

Aliás, cortar gastos com a economia deprimida não vai nem mesmo ajudar a situação fiscal, e pode até piorar as coisas. As atuais exigências de corte de custos são como aqueles médicos medievais que tratavam os doentes fazendo-os sangrar.

Há ainda os anunciados termos do acordo, que representam uma vergonhosa capitulação do presidente. Em primeiro lugar, haverá grandes cortes de gastos, sem aumento de receitas. Além disso, um comitê fará recomendações sobre futuras reduções - e, se essas recomendações não forem aceitas, haverá cortes de gastos compulsórios.

Os republicanos terão, supostamente, um incentivo para fazer concessões na próxima vez, pois os gastos com defesa militar estarão no pacote de cortes. Porém, o Partido Republicano já mostrou sua disposição de correr o risco de um colapso para obter o que os seus membros mais radicais querem. Por que esperar que eles serão mais razoáveis da próxima vez?

Aliás, os republicanos certamente se sentirão encorajados pela forma como Obama continua se dobrando às suas ameaças. Ele entregou os pontos em dezembro passado, aplicando as isenções de impostos de Bush; ele entregou os pontos recentemente quando eles ameaçaram fechar o governo; e agora entregou os pontos ante a extorsão sobre o teto do endividamento. Talvez seja apenas eu, mas vejo um padrão nisso.

E o presidente tinha alguma opção? Sim.

Ele poderia e deveria ter exigido um aumento do teto do endividamento em dezembro passado. Quando indagado por que não fez, ele disse ter certeza de que os republicanos agiriam de forma responsável. Que aposta. E mesmo agora, o governo Obama poderia ter recorrido a medidas legais, no mínimo, para fortalecer sua posição de negociação.

Não se engane, estamos testemunhando uma catástrofe em vários níveis. É uma catástrofe para os democratas, que há apenas algumas semanas pareciam ter atropelado o plano dos republicanos de desmantelar o Medicare; mas, agora, Obama jogou isso fora. A longo prazo, porém, os democratas não serão os únicos perdedores. O que os republicanos impuseram põe todo o sistema de governabilidade em questão.

PAUL KRUGMAN é colunista do "New York Times"