Título: Câmara dos EUA aprova acordo
Autor: Eichenberg, Fernando
Fonte: O Globo, 02/08/2011, Economia, p. 17

Plano para evitar o calote da dívida americana e cortar US$2,4 tri em gastos vai hoje ao Senado

Líderes democratas e republicanos invocavam ontem, em diferentes retóricas, vitória pelo acordo estabelecido para elevar o teto da dívida federal e evitar a temida moratória do Tesouro à meia-noite de hoje. O plano foi aprovado no início da noite na Câmara de Representantes por 269 votos (174 republicanos e 95 democratas) a 161 (66 republicanos e 95 democratas). Três deputados se abstiveram. A votação no Senado, onde a aprovação é considerada praticamente certa, está prevista para ocorrer hoje ao meio-dia (13h em Brasília). Encerrados os trâmites legislativos, o presidente dos EUA, Barack Obama, poderá assinar a lei que autoriza o Tesouro a recorrer a novos empréstimos para pagar as suas dívidas. O limite de endividamento do governo, hoje de US$14,3 trilhões, será aumentado em dois estágios: US$900 bilhões num primeiro momento, acrescidos posteriormente de mais US$1,2 trilhão, o que garantirá que o Tesouro pague suas contas até o início de 2013, após a eleição presidencial do ano que vem, como exigia a Casa Branca.

O Congresso americano viveu um dia repleto de reuniões políticas, numa ofensiva dos líderes dos dois partidos para convencer suas respectivas bases a votar a favor da proposta, com o reforço de telefonemas de Obama. Ao solicitar o apoio dos parlamentares para o "acordo que protegerá nossa economia a longo prazo", o líder da maioria democrata no Senado, Harry Reid, admitiu, no entanto, o sentimento predominante no Congresso:

- As pessoas à esquerda estão decepcionadas. Às pessoas à direita estão decepcionadas. As pessoas do centro estão decepcionadas.

Medidas atingem programa de saúde

Vozes contrárias à proposta citavam o editorial do jornal "New York Times", intitulado "Para escapar do caos, um terrível acordo - democratas não conseguiram quase nada do que queriam, exceto evitar o default (calote)". O plano bipartidário promove uma redução de pelo menos US$2,1 trilhões no Orçamento do governo ao longo dos próximos dez anos, segundo cálculos do Escritório de Orçamento do Congresso (COB, na sigla em inglês), com aplicação em duas fases. Numa primeira etapa, serão aprovados cortes no valor de US$917 bilhões, com novas reduções de até US$1,5 trilhão definidas até o fim do ano por uma comissão bipartidária formada por 12 parlamentares (seis para cada partido). A falta de um consenso na comissão deflagrará cortes automáticos, inclusive o programa de saúde Medicare e o Departamento de Defesa.

Na primeira fase, o Pentágono sofrerá uma redução de US$330 bilhões em seu orçamento. Na segunda, poderá amargar cortes de mais US$500 bilhões se os trabalhos da comissão bipartidária fracassarem. O líder da maioria republicana na Câmara, John Boehner, admitiu o desconforto de republicanos com essa possibilidade, mas definiu o acordo como uma conquista, "apesar de não ser o ideal", enfatizando as chances de aprovação de uma emenda constitucional sobre o equilíbrio orçamentário na comissão.

Republicanos, sobretudo a ala ligada ao movimento ultraconservador Tea Party, também manifestaram sua preocupação com um eventual aumento de impostos na reforma tributária prevista para ser discutida pela comissão bipartidária. Analistas apontavam ontem o Tea Party como o maior vitorioso no embate. Já os democratas situados mais à esquerda no partido demonstravam descontentamento com o prolongamento dos cortes de impostos para os mais ricos e com as ameaças que pairam sobre programas sociais do governo na segunda etapa do plano, na hipótese do pior cenário.

Na Câmara, a deputada democrata Maxine Water disse que não apoiaria o acordo, e pediu a seus colegas de partido que não fossem "cúmplices dos republicanos". Já a deputada democrata Gabrielle Giffords, que sofreu um atentado a tiros em janeiro em Tucson, foi à Câmara para votar "sim". Foi a primeira vez que ela votou pessoalmente desde o tiroteio. Surpresos com sua presença, os parlamentares a aplaudiram de pé. O democrata Emanuel Cleaver, que comparou o plano a "um sanduíche de Satã", admitiu adotar uma atitude pragmática:

- Votar "não" terá consequências.

(*) Com agências internacionais