Título: Papel do segundo turno na Argentina
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Fonte: O Globo, 02/08/2011, Opinião, p. 6

O segundo turno das eleições para prefeito de Buenos Aires (onde vivem 8,6% dos eleitores argentinos) deu lugar tanto ao esperado - a reeleição do oposicionista Mauricio Macri - quanto ao inesperado - o telefonema da presidente Cristina Kirchner para felicitá-lo. Foi o primeiro contato entre os dois líderes, do país e da capital, em três anos e meio. Este é um dos vícios da política argentina: o adversário é encarado como inimigo, e o interesse público vai para segundo plano.

É curioso que, sendo o triunfo de Macri previsto, ele possa aumentar a preocupação da Casa Rosada em relação à candidatura de Cristina Kirchner à reeleição em outubro. Mas é o que acontece. Provavelmente, devido ao fator cumulativo: o kirchnerismo também foi derrotado pelo Partido Socialista na província de Santa Fé (8,5% do eleitorado) e deverá ter o mesmo destino no próximo domingo, em pleito para o governo da província de Córdoba (8,7% dos eleitores). Também concorre para o aumento da tensão a solidão política da presidente após a morte do marido e mentor Néstor Kirchner, e a fragilidade emocional que ela tem demonstrado desde então.

Mais concretamente, o alarme soou no governo após três pesquisas apontarem as intenções de voto em Cristina abaixo dos 40%. Para vencer uma eleição presidencial na Argentina no primeiro turno, como espera a Casa Rosada, são necessários 40% dos votos e uma diferença de mais de dez pontos percentuais em relação ao segundo colocado. O resultado das pesquisas mais as seguidas derrotas regionais do oficialismo põem em dúvida a garantia da vitória em primeiro turno. Para o peronista anti-Kirchner e ex-presidente Eduardo Duhalde, "a presidente não passa dos 33%". Mas aqui é preciso dar um desconto: ele deverá ser um dos adversários de Cristina em outubro.

Com sua reeleição em Buenos Aires sobre o mesmo candidato da Casa Rosada que derrotara no pleito anterior, Daniel Filmus, mas agora por margem maior, Macri consolida sua liderança como alternativa ao peronismo e adianta que seu partido, o PRO, terá uma proposta nacional para 2015 - a eleição presidencial seguinte - provavelmente com ele na cabeça da chapa. O próximo grande teste na caminhada para outubro ocorre no dia 14 próximo, quando, pela nova lei eleitoral argentina, os eleitores serão chamados a escolher o candidato de cada partido que concorrerá ao pleito presidencial. Os analistas entendem que essa fórmula terminará por apontar os favoritos na disputa pela Casa Rosada.

Macri aguarda para ver a quem apoiará na eleição presidencial - excluída a hipótese que venha a se inclinar por Cristina. A maior disputa por seu apoio se dá entre o peronista anti-kirchnerista Duhalde e o opositor Ricardo Alfonsín, filho do ex-presidente Raúl Alfonsín e expoente da tradicional União Cívica Radical (UCR). A vantagem de Cristina ainda é palpável devido ao acelerado crescimento econômico da Argentina e da própria fragmentação da oposição, apesar da maquiagem nos índices de inflação. Mas sua margem de ação está se reduzindo, visto que o objetivo do kirchnerismo é vencer no primeiro turno e evitar possíveis surpresas num eventual segundo, quando o clima político muda muito rapidamente e o voto útil pode fazer estragos.