Título: Acordo afasta EUA do calote
Autor: Eichenberg, Fernando
Fonte: O Globo, 01/08/2011, Economia, p. 19
Obama anuncia que republicanos e democratas chegaram a consenso. Votação deve ser hoje
Após um domingo de longas negociações entre a Casa Branca e os líderes no Congresso, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, anunciou no início da noite um acordo para acabar com o impasse no aumento do teto da dívida federal, às vésperas do prazo limite para evitar a moratória, a partir de amanhã.
- Esse processo tem sido uma confusão, e já nos tomou tempo demais. Finalmente, os líderes de ambos partidos encontraram seu caminho para um acordo, e quero agradecê-los por isso - disse em pronunciamento na sala de imprensa da Casa Branca.
Obama celebrou o acordo, mas ressaltou que o processo "ainda não está concluído", e convocou os parlamentares do Senado e da Câmara a aprovarem a nova proposta bipartidária. As duas casas do Congresso deverão votar o plano nesta segunda-feira. Antes mesmo de ser anunciado, no entanto, a proposta já era contestada por parlamentares das duas forças políticas.
Informações que circulavam na Casa Branca e no Congresso apontavam como base do plano consensual, de execução em duas fases, com uma primeira redução no orçamento, no prazo de dez anos, no valor de US$1 trilhão. Cortes posteriores serão decididos por uma comissão bipartidária do Congresso, constituída de 12 parlamentares. No caso de a comissão não cumprir a sua tarefa até o recesso parlamentar do feriado do Dia de Ação de Graças, em novembro, cortes seriam efetuados automaticamente, atingindo áreas prioritárias para os democratas, como o programa de saúde Medicare, e reduzindo de forma importante o orçamento do departamento de Defesa, o que desagrada aos republicanos.
Teto da dívida subirá até US$2,8 tri
O grupo bipartidário também estudaria as linhas de uma reforma tributária. A proposta não inclui aumento imediato de impostos, uma exigência dos republicanos, nem a aprovação de uma emenda constitucional com novas regras de equilíbrio orçamentário, que tinha a reprovação dos democratas. O limite de endividamento nacional, hoje em US$14,3 trilhões, seria acrescido de US$2, 4 trilhões a US$2,8 trilhões, o que permitiria ao Tesouro manter seus pagamentos em dia até o final de 2012, após as eleições presidenciais de outubro, um ponto inegociável para Obama.
No início da tarde, o Senado havia rejeitado por 50 votos a 49 a proposta do senador Harry Reid que estabelecia US$2,2 trilhões de cortes no orçamento no prazo de dez anos e um aumento do limite de endividamento de US$2,4 trilhões. O novo plano acordado, se aprovado no Senado, necessitará de 216 votos para passar na Câmara, onde a votação já se apresentava polêmica entre integrantes das duas forças partidárias.
Na teleconferência com seus partidários, Boehner enfatizaria que o debate foi vencido pela oposição. O líder republicano precisará convencer deputados da ala mais radical do partido, ligados ao movimento ultraconservador Tea Party, que desaprovam a possibilidade de cortes drásticos no departamento de Defesa no momento em que os EUA travam conflitos no Iraque e no Afeganistão. Além disso, os conservadores impunham a emenda constitucional sobre o equilíbrio do orçamento como uma condição para votar a favor de qualquer plano para a elevação do teto da dívida.
- Preciso ver o plano determinar uma emenda de orçamento equilibrado imediatamente - disse ontem o republicano Tim Scott, ao justificar seu voto contrário ao acordo.
No campo democrata, parlamentares mais progressistas revelaram seu descontentamento com o plano em discussão, que não prevê aumento de impostos, ameaça o orçamento dos programas Medicare e Medicaid, e modificaria os cálculos de benefícios da Previdência Social.
O deputado Raul Grijalva, um dos líderes do grupo dos democratas progressistas, disse ontem que rejeitaria um plano elaborado nessas bases: "Nós deixamos claro nosso limite há meses: um acordo final deve estabelecer um equilíbrio entre cortes e receitas, e não deve colocar o fardo nos trabalhadores deste país. Esse acordo falha nesse teste e em muito mais", afirmou por meio de um comunicado. Grijalva acusou governo e republicanos de "atropelar" parlamentares progressistas e famílias de trabalhadores por um acordo que "troca a vida das pessoas pelos votos de uns poucos radicais de direita implacáveis".
Mercados da Ásia abrem em alta
Mark Zandi, economista-chefe da Moody"s Analytics, previu ontem que, apesar de não participar das discussões sobre os ratings da agência de classificação de risco, o acordo em discussão evitaria o rebaixamento da nota de crédito soberano dos EUA, hoje em sua avaliação máxima AAA. Mas alertou:
- Qualquer passo em falso vai solapar provavelmente a confiança, sendo quase certo que acabemos caindo numa recessão. A economia depende literalmente do equilíbrio - afirmou o economista em entrevista à rede de TV CNN.
Sem um acordo, as bolsas de valores tendem a operar com muita volatilidade - e, provavelmente, em forte queda - nos próximos dias. Para Alexandre Póvoa, sócio da Modal Asset Management, o dólar vai continuar se desvalorizando com o impasse:
- O mercado ainda acredita numa solução. Mas o prazo de 2 de agosto está cada vez mais próximo e isso eleva muito a tensão - diz Póvoa.
Pedro Alceu Cardoso, gerente de renda variável da TOV Corretora, reforça que um default significaria fortes perdas pelo mundo:
- Muitos investidores já assumiram uma posição de cautela, mas isso não significa que estão todos preparados para um calote. Não estão.
Porém, os mercados financeiros da Ásia abriram hoje com euforia. O índice Nikkei, da bolsa de Tóquio, abriu o pregão com alta de 1,3%, ao passo que o Kospi sul-coreano avançava 1,2%. Na Austrália, o indicador de referência da bolsa subia 0,8% e, na Nova Zelândia, 0,3%. O dólar subiu para 77,50 ienes na Ásia, em relação à cotação de 76,72 ienes na sexta-feira. O euro, por sua vez, caiu para US$1,4367, ante US$1,4403. O preço do barril do petróleo subia 1,2%, para US$96,90 na negociação eletrônica da Bolsa Mercantil de Nova York. Na sexta-feira, o preço do barril havia recuado 1,74%, para US$95,70.
COLABOROU: Bruno Villas Bôas, com agências internacionais