Título: Um juiz não é diferente dos demais trabalhadores
Autor: Amorim, Silvia
Fonte: O Globo, 29/07/2011, O País, p. 9

Pressão da sociedade para reduzir privilégios é uma mudança de visão do papel do Judiciário, dizem especialistas

SÃO PAULO. A pressão sobre o Judiciário para reduzir os privilégios é sinal de que a sociedade não aceita mais a mentalidade, dos tempos do período colonial, de que o magistrado pertence a uma "casta" diferenciada. Essa é a avaliação do professor de História do Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV) de São Paulo José Reinaldo de Lima Lopes.

- Acho que está em curso uma mudança de perspectiva e de visão social do papel do Judiciário. Está cada vez mais forte a mentalidade de que o juiz é um prestador de serviço como outro funcionário - diz.

As resistências são grandes, diz ele, porque a associação da magistratura a um status social privilegiado vem desde o período do Império.

- Na época, chegava à magistratura somente a elite intelectual. Um juiz era indicado para o cargo pelo imperador ou ministro da Justiça. Aos poucos isso foi mudando, hoje temos concurso público para ingresso na carreira, mas ainda há muito o que mudar - analisa Lopes.

Para a orientadora científica do Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas Judiciais e professora do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo (USP), Maria Tereza Sadek, o fim de férias de 60 dias para juízes teria um efeito mais simbólico do que prático para o aumento da produtividade. Estudiosa do sistema, ela defende a redução do benefício.

- Pela lógica, se você passa a trabalhar 30 dias a mais, a sua produção seria maior. Mas, na prática, não dá para dizer isso porque não se sabe se a produção nesse mês a mais seria equivalente à de um mês regular. Mas, com certeza, essa mudança teria um significado simbólico importante, que é expressar que um juiz ou desembargador não é diferente dos demais trabalhadores. Ele é um servidor público - afirma.

Para ela, medidas isoladas tendem ao fracasso quando o assunto é a melhoria do serviço da Justiça. A questão do Judiciário é tão séria e grave, segundo ela, que somente um conjunto de mudanças poderão levar a resultados. As ações mais emergenciais, diz Maria Tereza, são a informatização completa do Judiciário e o estabelecimento de metas objetivas e adequadas para cada uma das áreas da Justiça. As metas instituídas até hoje, opina, não foram cumpridas.

Na França, juiz não é sinônimo de status social

Mas não é em todo lugar do mundo que juiz tem tratamento diferenciado e é sinônimo de status social.

- Na França, quem escolhe a carreira de juiz sabe que vai viver confortavelmente, mas pertencerá sempre à classe média. A carreira não é meio para ascensão à elite. Já no Brasil, ser da magistratura significa ascender socialmente. Lá, juiz não tem a condição material que o Brasil coloca à disposição de um juiz, como gabinete com funcionários exclusivos - diz o sociólogo e professor da FGV Direito-Rio, Fernando Fontainha, que fez doutorado na França sobre as diferenças entre o recrutamento da magistratura no país e no Brasil.

O professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Luiz Werneck Vianna, autor do livro "Corpo e Alma da Magistratura Brasileira", pensa que esses benefícios são condizentes.

- Isso é coisa de classe média ressentida. É uma profissão estressante - diz.