Título: Uma jihad entre os americanos
Autor: Lage, Janaina
Fonte: O Globo, 03/08/2011, O Mundo, p. 28
É o que dizem: nunca negocie com terroristas; isso só os encoraja. Nos últimos meses, grande parte do país assistiu horrorizado aos republicanos do Tea Party travarem uma jihad contra o povo americano. Suas exigências intransigentes por mais cortes nos gastos, acompanhadas pelo desejo de destruir um dos bens americanos mais valiosos ¿ a garantia de honrar os compromissos ¿ foram irresponsáveis. Mas eles não ligaram para isso. Pelo objetivo, acreditam, valia a pena explodir o país se necessário.
Quando John Boehner, o presidente da Câmara, tentou fechar um acordo com Barack Obama que incluía modestos aumentos na receita, eles o humilharam. Após o último acordo, membros do Tea Party foram à Fox News reclamar que ele incluía só US$2,4 trilhões em cortes, em vez de US$4 trilhões.
A blogosfera e os programas de TV discutiram qual partido sairia na frente politicamente. Quem se importa? O que deveria importar não é como esses cortes vão afetar os políticos, mas o país. Estou falando do efeito sobre uma economia convalescente. A verdadeira crise não é a da dívida. É a do desemprego. Esse acordo não só não aborda o desemprego como garante torná-lo pior. (Inacreditavelmente, os democratas abandonaram a exigência de benefícios estendidos para desempregados como parte do acordo.) Os cortes vão encolher o crescimento e aumentar a possibilidade de lançar o país de volta a uma recessão.
É impressionante que tanto Obama quanto Boehner digam que o acordo ajudará a economia. Realmente esperam que acreditemos? Todos ouvimos o que aconteceu em 1937 quando Franklin Roosevelt, acreditando que a Depressão acabara, tentou conter o gasto federal. Os cortes jogaram o país de volta à Grande Depressão. É no caminho em que estamos agora.
Meu ponto de vista é que Obama deveria ter jogado a carta da 14ª Emenda, usando sua linguagem sobre ¿a validade do déficit público¿ para subir unilateralmente o teto da dívida. Sim, deixaria os republicanos enfurecidos, e daí? Especialistas em Direito acreditam que o Congresso não conseguiria derrubar a decisão. Inexplicavelmente, escolheu um curso que maximizou a influência dos extremistas.
A batalha não acabou. Graças ao acordo, uma nova supercomissão do Congresso deve buscar outros US$1,2 trilhão em cortes em novembro. Se eles não se converterem em lei em dezembro, cortes em vários campos serão impostos, incluindo reduções na defesa. Com soldados lutando no Afeganistão, qual lado piscará primeiro?
No momento, os republicanos podem deixar de lado os coletes com explosivos. Mas podem ter certeza: vão vesti-los de novo. Afinal, foram encorajados.
JOE NOCERA é colunista do ¿New York Times¿