Título: Agências de risco mantêm cautela sobre dívida
Autor: Eichenberg, Fernando
Fonte: O Globo, 03/08/2011, Economia, p. 21

Fitch e Moody"s reafirmam nota máxima para títulos americanos, mas frisam que aprovação de plano é só o começo

Resolvido o impasse da dívida dos Estados Unidos, permanece o temor de um rebaixamento pelas agências de classificação de risco da nota do país. O rating americano é "AAA", nível máximo concedido a países seguros para se investir. Comunicados divulgados ontem por Fitch e Moody"s deram o tom de incerteza que deve pairar nos próximos meses. Ambas mantiveram a nota, mas ressalvaram que o acordo aprovado aos 45 do segundo tempo foi só um primeiro passo na busca por um equilíbrio fiscal no longo prazo. Longe de ser unânime entre os congressistas, o pacote permanecerá sob avaliação de agências e investidores, que terão no radar sua eficácia e impacto sobre a já combalida economia americana. Quarto maior detentor de títulos do Tesouro americano, o Brasil liga o sinal de alerta.

Em nota divulgada logo após a aprovação do plano ¿ que corta até US$ 2,4 trilhões em gastos e aumenta o limite de endividamento do país ¿ a Fitch considerou que a elevação do teto da dívida americana significa que o risco de moratória do país é "extremamente baixo" e está de acordo com o grau máximo de avaliação conferido a seus títulos. Mas ressalvou que a dívida do país deve alcançar 100% do PIB em 2012 nas suas estimativas, perfil que não condiz com um grau "AAA" no médio prazo. Uma nova avaliação da nota será divulgada no fim de agosto.

No fim do dia, a Moody"s reafirmou o grau "AAA" para os Estados Unidos. Mas também manteve a perspectiva negativa para a nota, afirmando que o rebaixamento ainda pode ocorrer se a disciplina fiscal enfraquecer ou o crescimento econômico se deteriorar significativamente. A Standard&Poor"s informou que mantém o crédito soberano dos EUA com perspectiva negativa desde 14 de julho. Na semana passada, a S&P indicou que qualquer corte inferior a US$ 4 trilhões, como foi o caso, colocaria em risco o "triplo A" da dívida americana.

¿ Essa questão fiscal dos EUA vai ficar no radar das agências de rating por muitos anos ¿ avaliou a economista-chefe do banco ING no Brasil, Zeina Latif.

O economista-chefe do WestLB para a América Latina, Roberto Padovani, disse que, mesmo tardio, o acordo político reforçou a reputação de "bom pagador" do governo americano, que nunca entrou em default (calote). Essa credibilidade, afirma ele, somada à capacidade da sociedade americana de suportar ajustes, torna improvável mudança de rating.

¿ As agências avaliam a capacidade de pagamento da dívida e não há nada que aponte que os EUA tendem à insolvência ¿ disse Padovani.

Classificação "AA" ainda seria satisfatória, dizem analistas

A própria Fitch, porém, destacou que levará em conta as perspectivas econômicas e fiscais da economia americana no médio prazo. É aí que mora o perigo. Para o economista-chefe do Banco Fator, José Francisco Gonçalves, as medidas anunciadas serão desfavoráveis à atividade econômica e terão reflexo negativo do lado fiscal.

¿ Os indicadores do primeiro semestre mostram recuperação precária da economia americana, que ainda depende de gastos públicos. Se você corta a demanda já fraca, a arrecadação cai. E isso é ruim do ponto de vista fiscal ¿ diz Gonçalves.

Presidente da Associação Keynesiana Brasileira (AKB) e professor da Uerj, Luiz Fernando de Paula aponta que o acordo aborta a retomada da economia americana, já que deixa o governo Obama de mãos atadas para realizar uma política fiscal anticíclica. Embora defenda o equilíbrio fiscal no longo prazo, ele acha que não foi o melhor momento. Mas vê um rebaixamento como remoto já que, no limite, o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) poderia emitir moeda para honrar dívidas.

Economistas dizem que o Brasil poderia ter prejuízo com uma queda nos rendimentos dos títulos americano, no caso de rebaixamento, mas ressaltam que o grau "AA", segundo melhor na escala de classificação das agências, continua satisfatório.

¿ No Brasil, as reservas oficiais teriam perdas. Mas o real muito valorizado já dá prejuízo a elas. Um rebaixamento não seria um grande problema. O porto seguro continuaria sendo os títulos do Tesouro americano ¿ diz o economista-chefe do banco ABC Brasil, Luís Otavio Leal.

Em relatório, Peter Fisher, diretor de renda fixa da Black Rock, uma das maiores gestoras de recursos do mundo, afirma que uma piora na avaliação implicaria "chances muito altas" de outras empresas e governos serem rebaixados. "O que acabaria acontecendo seria um movimento de rebaixamento de todo o espectro de títulos de renda fixa", diz o texto.