Título: Alívio. Até quando?
Autor: Eichenberg, Fernando
Fonte: O Globo, 03/08/2011, Economia, p. 21
CRISE DA DÍVIDA
Senado aprova plano que evita calote dos EUA, mas ainda há risco de novos embates no Congresso
A ameaça de um iminente abalo econômico nos Estados Unidos e de um colapso no sistema financeiro mundial ante o risco de uma inédita moratória da dívida nacional foi ontem oficialmente afastada. Com a sanção da lei S.365 pelo presidente dos EUA, Barack Obama, o governo americano está autorizado a fazer novos empréstimos para pagar as suas contas acima do limite de endividamento anterior de US$14,3 trilhões, alcançado em 16 de maio. A medida credita de imediato cerca de US$400 bilhões aos cofres do Tesouro, evitando o que seria o primeiro calote da dívida federal da história do país. Mas ainda há muito a negociar e a acertar entre governo americano e Congresso, onde, para analistas, o embate ideológico e partidário deve prevalecer. O próprio Obama, em pronunciamento após a aprovação, disse que foi o primeiro passo.
Face às críticas de centrais sindicais e de parlamentares democratas pela falta de aumento de impostos para os mais ricos e pela eventualidade de cortes em benefícios de programas sociais, Obama enfatizou a necessidade de uma "abordagem equilibrada entre gastos e receitas" para que o país possa superar a atual fragilidade de recuperação econômica e a grave crise de desemprego, hoje em 9,2%.
- Para a economia crescer não é só cortar despesas, não é assim que vamos passar dessa recessão. Quando o Congresso voltar do recesso, vou cobrar deles novos passos, com foco no aumento de emprego - disse ele, nos jardins da Casa Branca.
Pouco antes da assinatura presidencial, o Senado aprovou o controverso plano por 74 votos (45 democratas, 28 republicanos e um independente) a 26 (19 republicanos, seis democratas e um independente). Na véspera a medida havia sido aprovada na Câmara por 269 (174 republicanos e 95 democratas) a 161 (66 republicanos e 95 democratas) e três abstenções. O acordo entre a Casa Branca e os líderes do Congresso eleva em cerca de US$2,1 trilhões o teto da dívida, e determina cortes de pelo menos o mesmo valor nos gastos públicos nos próximos dez anos. Segundo o Escritório de Orçamento do Congresso (COB, na sigla em inglês), a redução das despesas no ano fiscal de 2012 não será superior a US$ 21 bilhões, menos de 1% do orçamento federal de US$3,7 trilhões.
Rendimento de títulos atinge nível mínimo
Encerrado o debate sobre a elevação do teto da dívida, uma nova batalha será travada na chamada "Supercomissão", o comitê bipartidário formado por 12 parlamentares da Câmara e do Senado (seis para cada partido), incumbido de estabelecer, até o fim deste ano, uma segunda fatia de cortes no Orçamento para reduzir o déficit, mas também de debater uma reforma tributária para o país. Na Supercomissão, os democratas contam garantir mecanismos de aumento de receitas pela taxação aos mais ricos.
- Todo mundo vai ter que colaborar. É o justo - disse Obama, ao defender que "os americanos mais ricos e as grandes corporações paguem a sua parte".
O líder da maioria democrata no Senado, Harry Reid, endossou o coro e procurou mostrar unidade nas ambições do governo:
- Ouvimos muitas conversas nos últimos dias, os líderes republicanos no Senado afirmando que não haverá receitas. Isso não ocorrerá.
Mas já existe um manifesto receio no meio político de que, a exemplo do que ocorreu nas discussões para a elevação do teto da dívida, o debate ideológico bloqueie a missão da Supercomissão, que terá de ser constituída em até 14 dias após a promulgação da lei de sua oficialização, no dia 16 deste mês.
- Acho muito possível, mesmo provável, que se terá um voto de 6 a 6 no comitê - prevê o senador republicano Saxby Chambliss, ao admitir a pressão que será exercida sobre a Supercomissão.
O economista Marc Weisbrot, codiretor do Center for Economic and Policy Research, alerta para os índices de rendimento dos títulos de dez anos do Tesouro americano, que ontem chegaram a cair para 2,624% ao ano, o nível mais baixo desde novembro.
- É muito baixo. Isso significa que as pessoas estão apostando numa recessão em double dip (mergulho duplo, ou seja, a volta da recessão, após breve período de recuperação), e mostra que ainda há preocupação e nervosismo. É um péssimo sinal para a economia. Difícil saber o quanto esse acordo da dívida tem a ver com isso, mas acho que contribuiu com algo - disse.
O Fundo Monetário Internacional (FMI) celebrou ontem o acordo que descartou o cenário de uma moratória. A diretora-gerente do Fundo, Christine Lagarde, afirmou que a elevação do teto da dívida "reduz as incertezas do mercado financeiro internacional e reforça a credibilidade fiscal dos EUA". Em um comunicado à Casa Branca, Lagarde se mostrou solidária às inquietações do presidente Obama: "Colocar as finanças públicas numa trajetória sustentável implica identificar mais economias nos gastos, bem como novas fontes de receitas".
Os tomadores de decisão do Federal Reserve (Fed, o banco central americano), por sua vez, estão avaliando a adoção de novos passos para a recuperação da economia, depois que o crescimento ficou abaixo de 1% na primeira metade deste ano e os economistas cortaram as previsões para o segundo semestre. O Comitê de Politica Monetária do Fed se reúne dia 9.
- No mínimo, o Fomc fará um sério debate sobre as opções a serem tomadas - disse Roberto Perli, ex-associado da divisão de Assuntos Monetários do Fed.
(*) Com agências internacionais