Título: Impasse brasileiro
Autor:
Fonte: O Globo, 03/08/2011, Opinião, p. 7

Há quase uma década o comércio Brasil-China tem sido um importante motor da expansão econômica brasileira. O comércio bilateral total cresceu exponencialmente desde 2003 e, no ano passado, a China suplantou os EUA como nosso principal parceiro comercial.

Mas, no mesmo período, a importância da China para o Brasil foi além da economia. A agenda de política exterior do governo Lula, ao prescrever o fortalecimento das relações com outros países em desenvolvimento - a chamada cooperação Sul-Sul -, buscou na China um parceiro para objetivos políticos e estratégicos mais amplos, visando a uma ordem internacional multipolar, isto é, menos dependente das potências ocidentais.

Em consequência, o Brasil passou a ver a China não apenas como mercado, mas como um peça importante de sua diplomacia global. Logo a decisão da presidente Dilma de visitar Pequim no começo de seu governo não surpreendeu. Ratificando a posição da China como relevante para a política externa brasileira, Dilma assinou com Hu Jintao cerca de vinte acordos, abrangendo temas como defesa, comércio, meio ambiente e cooperação tecnológica.

A despeito de certos resultados palpáveis, alguns aspectos do futuro da relação Brasil-China permanecem incertos. Na economia, são crescentes as preocupações com possíveis externalidades negativas do comércio bilateral. O desequilíbrio qualitativo do intercâmbio comercial, refletido na exportação brasileira de produtos primários, e a agressiva política comercial chinesa, que reduz a competitividade de produtos brasileiros em terceiros mercados, são fatores que inspiram a percepção de que a crescente interdependência econômica não exclui assimetrias perigosas - a favor da China - e que alimentam o temor de uma desindustrialização a longo prazo da economia brasileira.

Na política, dizer que essas potências emergentes acreditam que elas deveriam ter um papel mais importante no cenário internacional não é o mesmo que dizer que ambas têm uma posição comum sobre como deveria ser esse cenário internacional mais representativo ou justo. A relutância chinesa em apoiar a aspiração brasileira de ter um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU é apenas um exemplo dessa situação.

Isto posto, os problemas que poderão surgir na relação bilateral não devem atrapalhar os esforços para procurar entender melhor o que a China significa para o Brasil no século XXI. O excesso de otimismo do governo do PT com a "parceria estratégica" não deve ter como contraponto uma atitude anti-China igualmente ideológica e contraproducente. Em certo sentido, a História pode dar algumas "dicas" para o Brasil. No início do século XX, as lideranças brasileiras previram não apenas o nascimento de uma nova grande potência, os Estados Unidos, mas também a necessidade de combinar diferentes formas de engajamento e parcerias com outras potências, estabelecidas e emergentes, os fundamentos de uma política externa mais equilibrada.

JOÃO AUGUSTO DE CASTRO NEVES é cientista político