Título: Tudo deu em nada
Autor: Corrêa, Maurício
Fonte: Correio Braziliense, 23/08/2009, Opinião, p. 25

A oposição não conseguiu que a ex-secretária geral da Receita Federal depusesse na CPI da Petrobras. Os senadores interessados na convocação, inconformados com a recusa, buscaram alternativa na CCJ. Lá, com domínio da situação, o requerimento convocatório foi com folga aprovado. Deram, assim, na justa proporção do agravo, revide aos que impediam a realização do ato. O depoimento foi finalmente realizado na terça-feira passada, com farta presença de senadores da oposição e da base parlamentar do governo. Estava montado o cenário da peleja.

Frustraram-se, contudo, os que esperavam algo incisivo e substancioso das declarações prestadas pela ex-secretária. A insistência no depoimento fazia supor que possuísse de fato informações esclarecedoras acerca do episódio. Viu-se que nada trouxe de aproveitável e que provasse a veracidade da presumida visita à Casa Civil. Foi tudo muito insosso e estéril. Afinal, o depoimento tão festivamente aguardado constituiu-se num verdadeiro desperdício de tempo e de dinheiro; e de expectativa de quem julgou que houvesse coisa mais útil a ser apresentada.

Toda celeuma criada arquitetou-se no pressuposto de haver a ministra solicitado mais agilidade na conclusão de procedimento fiscal instaurado contra o empresário Fernando Sarney. Se a questão se assenta nesse ponto, não parece comportar a extensão que lhe querem emprestar seus desafetos. Não há nada que daí se extraia passível de caracterizar deslize funcional. Muito menos se pode falar na ocorrência de algum tipo de ilícito penal. A ex-secretária deixou explícito que a ministra nada mais teria dito se não pedido mais rapidez no procedimento fiscal. É avançar demais supor que, da indagação manifestada, se subtraiam conclusões de violações aos deveres funcionais de servidor público. Aí seria ir longe demais.

Pedidos dessa natureza se verificam com frequência nos diversos setores da administração pública em quaisquer de seus níveis. São constantes, até usuais e rotineiros. Todas as horas, no Poder Judiciário advogados pedem preferência a juízes sobre feitos de seu patrocínio. Nada de extravagante, ilegal ou errado quanto a isso. Embora os procedimentos fiscais na Receita Federal tramitem sob sigilo, sabe-se não se tratar de regra absoluta, hermética, indene a pedidos que em nada comprometam a reserva das funções fiscalizadoras e a independência de ação de seus agentes. Tais pedidos não deveriam existir, mas existem. Conforme confessado pela ex-secretária, o próprio Poder Judiciário já havia encaminhado solicitação de preferência para o desfecho da fiscalização do caso gerador da polêmica entre as duas autoridades federais.

Fora dessa vertente, e em juízo exclusivamente político, a questão passa a ter contornos distintos. A solicitação feita pela ministra poderia encerrar, por exemplo, o desejo de ver a pendência fiscal resolvida apenas para atender conveniências políticas. Se tal afirmativa tivesse base probante, estaria, sem dúvida, consumada interveniência indébita. Nesse caso, poderia dar margem inclusive à ação do Ministério Público. Isso nem de raspão logrou ser provado. Serviria o fato, entretanto, para dar munição aos que se opõem ao governo, e matéria para incursões jornalísticas. Mesmo assim, tudo se resume no subjetivismo dado à hipótese. Subjetivismo esse que poderia também ser invocado para saber se, às vésperas da posse da ex-secretária no cargo, haveria disposição para negar pleito dessa natureza. Pode-se conjecturar que, ainda com o risco de não ser empossada, dificilmente viria a público para abordar a existência do pleito, tal qual como agora ocorre.

Admitindo-se que fosse real a acusação contra a ministra, o certo é que haveria meios de explicar o objeto de seu pedido. O que de tudo resulta é que, malgrado sem experiência na arte da malícia política, não tenha a ex-secretária caído no jogo das perguntas de seus interrogadores. Respondeu o que sabia sem tecer considerações subliminares que pudessem complicar a vida da ministra. O depoimento deixou expresso cuidar-se de pessoa correta e que não tinha intenção de dizer inverdades. Mesmo fustigada, não se excedera nas respostas às indagações. É de certo modo até compreensível a existência de certa mágoa pela perda do cargo de que se viu afastada. Tal fato poderia explicar certo revide decorrente da perda do poder que detinha. Se é isso que a levou a tanto estardalhaço, ninguém sabe.

Não se crê, com o que demonstrou saber, ser capaz de se sair melhor numa acareação com a ministra. Até porque esta, como política, ex-militante comunista por décadas, deve ter experiência na convivência de refregas similares. Se vier a ser convocada para prestar depoimento na CCJ, será perpetrado novo equívoco da oposição. Melhor será que busque novos fatos, se quiser provar eficiência no exercício de fiscalização parlamentar. Sem entrar no merecimento das ocorrências que têm movimentado o Senado nos últimos dias, não será nesse campo que obterá êxito. Trata-se de fato que chegou ao limite máximo com a produção das sequelas já conhecidas.

Quanto ao depoimento de terça-feira passada, a testemunha não tinha nada de concreto a dizer, e nada disse. Até aqui ganhou o governo.