Título: Tesourada nos investimentos
Autor: Foreque, Flávia
Fonte: Correio Braziliense, 24/08/2009, Política, p. 2

Planalto não desembolsará os R$ 128,3 milhões em emendas de bancada do Distrito Federal que ainda restam no Orçamento da União

Em função da crise, o governo teve uma perda de arrecadação muito grande. (¿) E o congresso fez um corte muito grande nos programas estratégicos dos ministérios¿ Rodrigo Rollemberg

Rafael Ohana/CB/D.A Press - 4/8/09

É por meio dessas emendas que os parlamentares fazem suas políticas, levam melhorias para a população. Isso tira a expectativa dos parlamentares e provoca um desgaste político¿ Alberto Fraga

O governo não pretende liberar um centavo em emendas de bancada incluídas por deputados e senadores do Distrito Federal no Orçamento da União de 2009. Do total de R$ 215,3 milhões destinados ao DF, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva já cancelou oficialmente o desembolso de R$ 87 milhões por meio de dois decretos. Restam no caixa da União, portanto, R$ 128,3 milhões. Esse dinheiro está contingenciado. Em teoria, pode ser pago se houver recuperação da economia e melhora da arrecadação tributária. Em conversa com o Correio, o ministro de Relações Institucionais, José Múcio Monteiro, descartou a possibilidade de liberação das emendas de bancada. E não só para o DF, como para as demais unidades da Federação.

Segundo Múcio, a prioridade é garantir o empenho das chamadas emendas individuais de todos os 594 congressistas, as quais somam R$ 5,9 bilhões na atual lei orçamentária e são destinadas a pequenas obras e afagos, como a construção de postos de saúde e o patrocínio de festas, nos redutos eleitorais dos parlamentares. Já as emendas de bancada envolvem projetos ditos estruturantes, como nas áreas de transporte e moradia. ¿Nossa meta são as emendas individuais. Se não conseguimos liberá-las até agora, imagine as de bancada¿, disse Múcio. Levantamento realizado pela Consultoria de Orçamento da Câmara mostra que os decretos presidenciais já cancelaram cerca de 45% das emendas de bancada das 27 unidades da Federação. Na ponta do lápis, o valor cortado já é de R$ 4,2 bilhões, incluindo os R$ 87 milhões do DF. Licenciado da Secretária de Transportes, o deputado federal Alberto Fraga (DEM) lembra, em tom de reclamação, que, de R$ 27 milhões em emenda de bancada destinada ao metrô local, só restam R$ 7 milhões. Valor que, confirmada a previsão de Múcio, não será desembolsado. ¿É por meio dessas emendas que os parlamentares fazem suas políticas, levam melhorias para a população. Isso tira a expectativa dos parlamentares e provoca um desgaste político¿, afirmou Braga. ¿A alegação é a crise, mas como Lula disse que não tinha crise nenhuma, que era só marolinha, eu acho que é má vontade mesmo¿, acrescentou. Seca Os recursos para melhorar as condições de moradia em Samambaia também foram afetados: 75% destinados a habitações já foram cancelados. Os valores poderiam beneficiar, por exemplo, a dona de casa Raquel Pereira de Araújo, 37 anos, que lamenta a falta de asfalto na quadra 833, onde mora. Há um ano, ela divide o cômodo com o marido e cinco filhos, depois de ter sido removida da invasão na QNR, em Ceilândia. ¿Quando chove é triste: é água que falta levar a gente.¿ Raquel conta que, em tempos de seca, em razão da poeira, é preciso recorrer ao posto de saúde devido à bronquite alérgica dos filhos. O marido de Raquel, um marceneiro, garante uma renda de R$ 850 por mês. A família conta ainda com o auxílio de R$ 130 do Bolsa Família.

Os parlamentares, entretanto, estão reagindo aos cortes da União. Na semana passada, a própria base aliada se recusou a participar de votações no plenário da Câmara, em protesto contra a não liberação das emendas. O problema é que a revolta visa a garantir o pagamento só das individuais. ¿Está havendo uma greve branca¿, disse o deputado federal Geraldo Magela (PT). O ministro José Múcio Monteiro já conseguiu a liberação de R$1 bilhão em emendas individuais. Agora, dedica-se a obter a liberação dos outros R$ 4,9 bilhões desse mesmo tipo, a fim de garantir aos congressistas trunfos a serem apresentados aos eleitores em 2010.

A previsão é de que já nesta semana o governo anuncie um novo pacote de benefícios a fim de evitar derrotas em votações no Congresso. A nova fornada não contemplará emendas de bancada. Integrante da Comissão Mista de Orçamento no ano passado, o líder do PSB na Câmara, Rodrigo Rollemberg (DF), avalia que o corte da emendas está atrelado à recomposição do orçamento dos ministérios, principalmente daqueles que trabalham com investimentos nas áreas social e de infraestrutura. Ou seja, Bolsa Família e Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

¿Em função da crise, o governo teve uma perda de arrecadação muito grande. Quando a crise se acirrou, o governo, em vez de ter feito uma revisão do crescimento econômico e com isso um ajuste no Orçamento, deixou por conta do Congresso fazer isso. E o Congresso fez um corte grande nos programas estratégicos dos ministérios¿, lembrou Rollemberg. Para o deputado, o ideal seria a União estabelecer um percentual de cancelamento para cada unidade da Federação e permitir que as bancadas decidam por conta própria quais projetos serão afetados. O impacto da tesourada entre as bancadas é significativo. Enquanto o Rio Grande do Sul sofreu uma redução de 17,4% em suas emendas, Roraima viu o cancelamento de 74% dos valores pleiteados.