Título: Transparência federal vai em marcha lenta
Autor: Vaz, Lúcio
Fonte: Correio Braziliense, 24/08/2009, Política, p. 4

Projeto para acesso a documentos oficiais dorme no Congresso há mais de seis anos, enquanto outros países já têm norma

Deputado Reginaldo Lopes (PT-MG) apresentou proposta em fevereiro de 2003, mas texto não vai ao plenário

Enquanto o Brasil continua sem uma lei de acesso a informações públicas, 21 anos após a inclusão desse direito na Constituição federal, países como África do Sul, Lituânia, Peru e Colômbia já contam com essa legislação. No Brasil, tramita há seis anos no Congresso um projeto de lei que tenta aprovar a lei de transparência. Esse é o tempo de existência do Instituto Federal de Acesso à Informação Pública (Ifai), instalado em 2003 no México, primeiro país da América Latina a criar os mecanismos de acesso a informações de estado. O instituto mexicano já divulgou informações sobre roupas de grifes famosas de uma então primeira-dama e a lista de convidados para a festa de aniversário do presidente Vicente Calderón.

Um relato sobre o funcionamento do instituto mexicano foi feito pelo comissionado Juan Pablo Guerrero, um dos cinco integrantes do colegiado, na Conferência Latinoamericana de Jornalismo de Investigação, em Lima, Peru, no último domingo. O evento é organizado pelo Instituto Prensa y Sociedad (Ipys) e pela Transparência Internacional. Os integrantes do instituto são indicados pelo presidente da República e aprovados pelo Senado, para um mandato de sete anos, com completa autonomia e estabilidade no cargo. Lá, qualquer um pode ter acesso a informações públicas. Mesmo uma criança, um estrangeiro, ¿pode ser até Osama Bin Laden¿, comenta Guerrero. A constituição mexicana prevê esse direito desde 1976.

A Constituição brasileira diz que todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo e geral, que serão prestados no prazo da lei, sob pena de responsabilidade. Mas a lei não existe. Um projeto de lei foi apresentado pelo deputado Reginaldo Lopes (PT-MG), em fevereiro de 2003, no início do governo Luís Inácio Lula da Silva. Mas não foi a plenário mesmo depois de seis anos e meio.

Frente parlamentar O Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas, formado por entidades como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Associação Nacional de Jornais (ANJ), a Federação Nacional de Jornalistas (Fenaj) e a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), acredita mais na aprovação do projeto 5.228/2009, do Executivo, elaborado em negociação com a frente parlamentar que apoia o acesso à informação, integrada por 198 deputados e senadores. Essa proposta regulamenta em detalhe os mecanismos para obtenção de informações, os dados públicos que são sigilosos e os prazos para a sua divulgação. São sigilosas informações consideradas imprescindíveis à segurança da sociedade ou do estado. O prazo para a sua divulgação varia de cinco a 25 anos. As informações não sigilosas serão divulgadas em 20 dias.

A legislação de acesso à informação mais antiga é a americana. O Freedon of Information Act (FoIA) foi criado por lei em 1966. Os pedidos de dados aumentam a cada ano. Em 2003, foram 3,2 milhões. O custo para o Estado ficou em US$ 323 milhões, pouco mais de US$ 1 por cidadão. Os requerimentos de jornalistas representaram uma fração mínima desse total. As leis de acesso da África do Sul, Lituânia e Reino Unido são mais recentes.

No México, a Lei de Transparência reconhece ao cidadão o direito de perguntar ou pedir informações ao governo, que está obrigado a responder. ¿O conceito constitucional é muito elementar: se o governo é o povo, a informação do governo também o é. É tão simples como isso¿, comenta Guerrero. Mas ele acrescenta que lá também há algumas exceções. ¿Há algumas situações em que informações de governo que, mesmo sendo de interesse público, devem manter-se em segredo, porque de outra forma não se pode dar segurança social, segurança nacional. Mas a reserva de informação é temporal. Ao final de um tempo será pública. Pode ser de dois, três anos. O máximo é 12 anos de reserva.¿

Entrevista Juan Pablo Guerrero ¿Qualquer um pode pedir acesso¿

Como são escolhidos os membros desse conselho? São selecionados pelo presidente da República, mas se pronuncia o Senado. O Senado tem poder de veto. Quando escolheram os primeiros cinco comissionados, um deles foi vetado, e o presidente teve que indicar outro. Eu entrei entre eles.

O fato de ser indicado pelo presidente não cria alguma forma de dependência? Pode ser, porque o presidente pode ter um apoio majoritário no Senado. Há propostas que defendem que seja o Senado que nomeie. No caso do México, o instituto forma parte do governo. Somos nomeados por sete anos e não podemos ser despedidos. Para ser despedido, tem que ter violado a lei reiteradamente e mediante uma investigação penal. Há um mandato de sete anos, através do qual temos estabilidade e segurança. E são cinco conselheiros. É mais fácil corromper a um do que a cinco.

Como é feito o pedido de informação? Por internet, por carta? A lei prevê que qualquer pessoa pode pedir informação. Pode ser um menino de oito anos. Não necessita ter 18 anos. Pode ser você, que não é mexicano. Pode ser um professor universitário e pode ser Osama Bin Laden. Criamos um sistema de solicitação por internet. E se organizou um sítio, através do qual se registra. Pode ser até nome falso. Basta que coloque um endereço eletrônico, um nome e o seu pedido.

O sistema tem falhas? Uma falha do sistema mexicano é que, para o governo dar uma informação, tem que estar registrada em um documento. Se não há um documento que a contenha, podem declarar a inexistência. Temos visto que há uma prática corrente, por desgraça, que o governo documenta menos informação governamental. Isso pode ter efeitos perversos.

No caso da primeira dama, a quais informações se chegou? Em 2004, Marta Fox, mulher do presidente Vicente Fox, comprou prendas, bolsas de mulher, sapatos caros. Bolsa Louis Vutton, essas marcas que custam muito. Os maridos não gostam porque são caríssimas. São um excesso, me parece, para qualquer um. Nesse caso, estão comprando com dinheiro do povo. Roupa de marca Chanel. Havia um casaco que custava cerca de US$ 3 mil. Eu não compraria. Se ela vai comprar, que compre com o seu dinheiro. Isso gerou um escândalo midiático. Disseram que era informação confidencial, defenderam que as faturas dos gastos tinham dados relacionados com o corpo da senhora, as medidas. Ao ser negada a informação, o cidadão se queixou ante o Ifae. O instituto começou a investigar a questão e ficou muito claro que a presidência tinha que dar cópia das faturas. Ao final, a informação foi pública. O impacto positivo foi duplo. Primeiro, a presidência não gastou mais um centavo com roupas para a primeira dama. Agora, compra o seu marido. Segundo, que nunca de voltou a negar informações.

Que tipo de informação é considerada reservada? Informações pessoais, por exemplo. No âmbito governamental, as investigações policiais em curso, de segurança nacional, de inteligência, nas áreas de combate ao crime, algumas relacionadas com compras e especificações técnicas na área de defesa nacional. Decisões que não foram tomadas com relação a desenvolvimento urbano. Os segredos fiscais, tributários e bancários.

O senhor falou de um pedido de informações sobre uma festa de aniversário oferecida pelo presidente. Foi dada a informação? O presidente Felipe Calderón fez 45 anos, faz dois anos. Houve uma festa com vinho, boa comida, música com bandas da Marinha e da Defesa. Alguém perguntou: quanto custou ao povo? A presidência disse: ¿Não existe a informação¿. Aduzindo que o presidente havia pago tudo. Sustento que é improvável. Alguns colegas achavam que se justificava. A situação se complicou porque um dos comissionados havia sido convidado para a festa. Resumindo, ficou assim: se conheceu a lista de convidados, porque o presidente a entregou, não como se fosse um obrigação governamental, mas como uma graciosa decisão pessoal. Com o que não estou de acordo. Com relação aos gastos, ficamos com a declaração de inexistência, como se a presidência não houvesse gasto um centavo. Falso. Com isso concluo: as leis de acesso a informação tem os seus limites.