Título: Medicina lá fora não garante diploma
Autor: Ribeiro, Marcelle
Fonte: O Globo, 08/08/2011, O País, p. 4

Em 2010, de 628 que tentaram revalidar diplomas, só dois passaram na prova

VANESSA APARECIDA cursa medicina na Bolívia e quer ser cirurgiã no Brasil: ¿A estrutura da minha universidade, comparada com a das universidades do Brasil, fica `elas por elas¿, ou a minha é até melhor¿

SÃO PAULO. Mensalidades mais baratas e a dispensa de vestibular têm atraído jovens brasileiros interessados em cursar medicina em países da América Latina, como Bolívia e Argentina. Uma busca rápida na internet revela que há até empresas especializadas em dar assessoria a quem não conseguiu realizar o sonho de ser médico no Brasil.

Oberdan Ritchie Ramiro Costa, de 27 anos, tentou fazer medicina nas universidades de São Paulo (USP), Federal de São Paulo (Unifesp) e Federal de Minas Gerais (UFMG). Como não foi aprovado no vestibular, após duas tentativas, mudou-se para Santa Cruz de La Sierra, na Bolívia, onde estuda numa universidade privada. Paga mensalidade de US$300. Se fosse estudar nas faculdades particulares da região onde morava, no interior de São Paulo, pagaria de R$3 mil a R$4 mil por mês.

¿ Além de ser caro no Brasil, ainda tem o vestibular, que não é fácil ¿ diz.

Mas o Conselho Federal de Medicina (CFM) alerta para a existência de cursos de qualidade duvidosa. Essa pode ser uma das razões das dificuldades encontradas pelos recém-formados para revalidar seus diplomas. Sem isso, não podem atuar como médicos no Brasil.

Em 2010, os ministérios da Saúde e da Educação criaram o programa Revalida, para tentar agilizar o processo de revalidação de diplomas de médicos. Quem se forma em medicina no exterior pode pedir a revalidação apresentando diploma e documentação em universidades públicas brasileiras, um procedimento, em geral, demorado, ou fazendo a prova do Revalida.

O índice de aprovação dos formandos em medicina no ano passado preocupa o CFM. Dos 628 candidatos, só dois foram aprovados. Para a prova deste ano, que abrange uma parte teórica e outra prática, há 601 inscritos de 29 países, sendo 320 da Bolívia, 146 de Cuba e 58 da Argentina.

O vice-presidente do CFM, Carlos Vital, diz que já soube de faculdades de medicina na América Latina com corpo docente despreparado, falta de material e instalações inadequadas:

¿ Aqueles que não conseguem passar nos vestibulares buscam da maneira mais fácil possível a chance de fazer a escola em países vizinhos e de fronteira, com qualidade questionável, e tentam voltar com a revalidação de diploma. Isso é temerário. Os brasileiros deveriam se informar mais sobre as escolas que estão buscando, para que não sejam vítimas e tenham prejuízos, por fazerem um ensino precário ¿ alerta Vital.

Aluna do décimo semestre de medicina numa faculdade privada de Santa Cruz de La Sierra, na Bolívia, a brasileira Vanessa Aparecida dos Santos diz que, apesar de ser fácil entrar na universidade, as aulas são puxadas e muitos desistem. Com muitos elogios à instituição onde estuda, ela pensa em atuar como cirurgiã no Brasil.

¿ Com certeza sofrerei preconceito, porque as pessoas não sabem que a minha faculdade é de qualidade. A estrutura da minha universidade, comparada com a das universidades do Brasil, fica ¿elas por elas¿, ou a minha é até melhor ¿ afirma. (Marcelle Ribeiro)