Título: Tibieza do Brasil ajuda ditador sírio
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Fonte: O Globo, 05/08/2011, Opinião, p. 6
O regime da Síria não dá mostras de reduzir a ferocidade com que reprime, desde março, os corajosos cidadãos que saem às ruas de diversas cidades do país pedindo liberdade, direitos e democracia. O presidente Bashar Assad escapou, até agora, ao destino dos ditadores de Egito e Tunísia, depostos na Primavera Árabe, e da Líbia, entrincheirado em Trípoli e com o país sob bombardeio aéreo da Otan.
Cerca de 1.700 civis já morreram nos protestos, cujo epicentro é a cidade de Hama, onde pelo menos cem pessoas foram mortas na atual ofensiva do governo, e de onde 1 mil famílias fugiram nos últimos dois dias, segundo ativistas de direitos humanos. Foi em Hama, há 30 anos, que o pai de Bashar, Hafez Assad, perpetrou um dos maiores crimes contra a Humanidade, ao literalmente esmagar pessoas e prédios, com cerca de 20 mil mortes, para riscar do mapa uma rebelião contra sua duradoura ditadura.
Os atuais confrontos já duram cinco meses e só na quarta-feira o Conselho de Segurança da ONU obteve consenso para uma declaração condenando "as amplas violações dos direitos humanos e o uso da força contra civis pelas autoridades sírias". A declaração é melhor que nada e, como tal, um avanço. Mas ainda é muito pouco. Passou ao largo de sanções - defendidas pelos EUA e a União Europeia -, que poderiam ter a chancela da ONU houvesse sido aprovada uma resolução. Uma das responsáveis pela opção por uma declaração (statement) é a Rússia, velha aliada da Síria, que ameaçava vetar a resolução. Mas Brasil, Índia e África do Sul , favoráveis a um entendimento com Bashar Assad, atuaram no mesmo sentido. Por intervenção de Brasil, Índia e outros países, a declaração injustamente culpou também os manifestantes, ao exortar "todos os lados a restringir ao máximo suas ações e evitar represálias, inclusive ataques a instituições estatais". Ora, é difícil imaginar manifestantes antiditadura impassíveis diante de "instituições estatais" como canhões de tanques e fuzis de soldados.
A postura do Brasil significou um recuo nas correções de rumo que a presidente Dilma Rousseff vem imprimindo à política externa do governo Lula. Este adotou uma política "companheira" que beirou a temeridade em casos como o do programa nuclear do Irã, em que Brasília se alinhou aos persas em manifesta atitude antiamericana, e tentou bloquear, sem sucesso, a ação do Conselho de Segurança.
Não pode haver contemporização diante do regime sírio. Conforme destacou o "New York Times", "o Conselho precisa impor duras sanções (...) a Assad e seus principais assessores, e deve pedir ao Tribunal Penal Internacional que inicie uma investigação contra eles por crimes de guerra". Vários países elevaram ontem o tom diante da Síria. O presidente Dmitri Medvedev disse que a posição da Rússia está mudando e que o líder sírio terá um "triste fim", se não fizer reformas e abrir um diálogo pacífico com a oposição.
O Brasil poderá - e deveria - aumentar seu protagonismo se convencer aliados, como Índia e África do Sul, a se unir aos que buscam elevar ao máximo a pressão para que Assad abrace a democracia ou deixe o poder.