Título: Insatisfeitos que roubam de quem tem muito
Autor: Duarte, Fernando
Fonte: O Globo, 10/08/2011, O Mundo, p. 31

Especialistas ligam fenômeno de jovens saqueadores a chance de consumir itens impossíveis sem punição

ENCAPUZADOS LEVAM aparelhos eletrônicos de uma loja de Birmingham: levantamento mostra que nenhum dos presos tem mais de 30 anos. A maioria é negra, mas há brancos também

Fernando Duarte fduarte@oglobo.com.br

LONDRES. A onda de saques que despontou em partes distintas e distantes do bairro de Tottenham ¿ onde a morte de Mark Duggan pela polícia desencadeou os primeiros protestos, no sábado ¿ desperta um debate acalorado entre especialistas em delinquência urbana. O que, na avaliação deles, leva a atitude de roubar estoques? Vitrines? Quem são os encapuzados e mascarados que saqueiam? Enquanto uma corrente defende um simples oportunismo criminoso, há quem enxergue uma consequência do desespero alimentado pela exclusão social.

Os juízes de Londres começaram ontem a lidar com a primeira leva das centenas de presos. Segundo levantamento do ¿Independent¿ em uma das cortes londrinas, nenhum tem mais de 30 anos. A maioria é negra, mas há muitos brancos. Um menino de 14 anos, que não pode ser identificado por razões legais, foi descrito como aluno de notas A. Ele saía de uma loja com as mãos cheias de telefones celulares, e os pais foram buscá-lo na delegacia com lágrimas nos olhos. Assim como outros menores de 18 anos, será avaliado por um tribunal juvenil. Equipamentos eletrônicos são, segundo a Justiça, a preferência incontestável dos saqueadores.

Desemprego e oferta em excesso de bens de consumo

O criminologista John Pitts argumenta que a falta de oportunidades legítimas pode se provar tentadora nesses casos:

¿ A maioria dos jovens vem de áreas com alto desemprego e poucas perspectivas de ascensão social, o que já orienta para uma tendência de atividade criminal. Eles não têm porque adotar um tom conformista já que têm muito menos a perder do que a classe média ao decidirem praticar atos ilegais.

Pitts detecta também um tom de questionamento social, ainda que distorcido, no foco dos saqueadores: o roubo de artigos mais caros e de marcas famosas não é apenas motivado pelo valor da mercadoria.

¿ Saqueadores creem que podem justificar suas ações ao atacar grandes empresas. É visto como uma forma de quem tem pouco dinheiro tirar de quem tem muito. E há ainda o detalhe da sensação de poder dessas pessoas quando percebem que a polícia não está conseguindo impedi-los.

Para o psicólogo James Thompson, da Universidade College London, porém, as condições sociais não devem ser usadas como argumento automático. Ele rejeita o simples comportamento de rebanho.

¿ A moralidade é inversamente proporcional ao número de observadores, especialmente porque grupos grandes tornam mais difícil a tarefa de capturar transgressores. Mas há sempre uma escolha a ser feita, e isso não pode ser esquecido.

Não faltam teorias para explicar o surgimentos de focos em áreas tão distintas. No domingo passado, a Scotland Yard falou em ¿planejamento cuidadoso das ações¿. Por mais que haja indícios do uso de programas de bate-papo eletrônico via celular na organização de saques, especialistas custam a crer em um mero comportamento criminal.

¿ Estamos falando de gente que não tem perspectivas de carreira e vive às margens da sociedade, frustrada e desapontada ¿ observa Pitts.

Pessoas expostas às mesmas mensagens de consumo de ¿itens de grife¿, mas sem dinheiro para comprá-los.

¿ Ao mesmo tempo em que há crise de emprego, há mais bens de consumo. A pessoa que não pode comprar se vê diante da chance de simplesmente roubar e escapar de uma punição, mesmo que imediata ¿ avalia o sociólogo Paul Bagguley, da Universidade de Leeds.