Título: Gangues tomam o lugar dos pais
Autor: Duarte, Fernando
Fonte: O Globo, 10/08/2011, O Mundo, p. 31

DONOS FECHAM pub em Londres: polícia tenta conter distúrbios

Quando um homem de 26 anos se torna a primeira vítima dos distúrbios, isso se torna um triste retrato da violência que varre Londres. Mas o incidente também chama a atenção para um problema mais profundo: a cultura de gangues que se alastra pela capital e que parece ser um fator na atual anarquia.

O homem foi baleado após ele e amigos entrarem em atrito com um outro grupo, o que acabou em perseguição de carros e tiros, no que parece ser fruto de uma rivalidade.

A complexidade da cultura de gangues em Londres foi revelada em relatos de que apelos por união de grupos têm surtido efeito, e que alianças entre grupos criminosos teriam sido realizadas antes dos saques de segunda-feira em Clapham. O ódio pela polícia é um ponto em comum. Num site, um vídeo mostra simpatizantes dessas gangues discutindo os incêndios e saques que ocorreram em Tottenham no sábado. Alguém diz que as gangues não estão suficientemente coordenadas. Outros dizem que ¿um homem foi morto, e estão apenas tacando pedras, queimando lojas, em vez tentar matar um dos tiras¿.

Tal é o sangrento e perverso mundo da cultura das gangues britânicas, onde um código das ruas é brutalmente imposto, mas em que ninguém parece realmente conhecer as regras. ¿Eles não são quadrilhas criminosas organizadas, são corpos caóticos¿, disse John Heale, autor de ¿One Blood¿, um estudo sobre as gangues.

É uma cultura que se espalhou como vírus em 20 anos. De acordo com uma pesquisa da Scotland Yard de 2007, Londres tem 257 gangues de rua. Embora ainda seja uma atividade minoritária, mais jovens estão sendo atraídos, mesmo aqueles que não tomam parte em crimes. As identidades geográficas impõem um ônus a todo jovem de uma vizinhança, obrigado a mostrar lealdade.

Gangues rapidamente se ramificam ou formam alianças, criando um mundo quase impossível de decifrar. Em Tottenham, a NPK (que usa a cor roxa) compete por território com a Broadwater Farm (vermelho), Chestnut (preto) e Tiverton Piru (vermelho). Adolescentes que vivem em determinada área transformam-se em alvo mesmo durante uma viagem de ônibus e podem ser aterrorizados por vestir a cor errada na região errada.

Muitos jovens são atraídos para esses grupos não pela necessidade de proteção, mas pelo suposto glamour de um estilo de vida que é celebrado em áreas da vida moderna.

À medida que as gangues conseguem convencer jovens de que representam vizinhanças inteiras ¿ em vez de simplesmente interesses financeiros pessoais ¿, a polícia tem problemas para mudar a percepção de que é a inimiga.

Nesse contexto, vieram os distúrbios. Embora seja impossível apontar o envolvimento direto de membros das gangues, está claro que os confrontos têm se alimentado da simpatia por um estilo de vida fora da lei. Tottenham, Hackney e Peckham ¿ onde alguns dos piores confrontos ocorreram ¿ estão entre as áreas de maior atividade desses grupos no país. E após anos de crescente rivalidade, elas se voltam para as classes mais altas.

Não é uma surpresa. Barbara Wilding, uma das mais altas oficiais da polícia britânica, destacou os perigos num discurso no Centro para Estudos de Crime e Justiça de Londres, em 2008. ¿Em muitas de nossas maiores cidades, em áreas de carência extrema, há grupos quase selvagens de jovens muito revoltados¿, disse. ¿A lealdade tribal substituiu a lealdade familiar, e a cultura de gangue baseada em violência e drogas é um modo de vida.¿

IAN BURRELL é colunista do ¿Independent¿