Título: Londres paralisada à mercê dos encapuzados
Autor: Duarte, Fernando
Fonte: O Globo, 10/08/2011, O Mundo, p. 31

Britânicos alteram rotina, fecham comércio cedo, e se voltam contra políticos e polícia despreparada

CAMERON CONVERSA com membros dos Bombeiros e da Scotland Yard, diante de um prédio queimado em Croydon, Londres

fduarte@oglobo.com.br

Com a população assustada e os distúrbios atingindo outras partes do Reino Unido, o quarto dia de confrontos, saques e incêndios foi marcado pela revolta dos britânicos com o despreparo da polícia e a demora das autoridades para conter a onda de violência, que ontem registrou seu primeiro morto. O medo levou lojas a fecharem mais cedo no centro de Londres, comerciantes a reforçarem portas e janelas e muitos a pedirem a presença do Exército nas ruas, algo que não acontece desde 1919. Mesmo com a Scotland Yard lançando a maior caçada humana de sua história, os confrontos recomeçaram assim que anoiteceu, desta vez em cidades como Manchester, Salford, Wolverhampton, Bristol, Birmingham e West Bromwich.

De volta às pressas das férias na Itália num voo militar, o primeiro-ministro David Cameron prometeu acabar com os distúrbios, anunciando que estava passando o número de policiais na capital de 6 mil para 16 mil. Cameron convocou uma sessão especial do Parlamento para amanhã e alertou que a Justiça processará todos os envolvidos nas ¿cenas doentias de saques, vandalismo e roubos¿.

¿ Faremos todo o necessário para restaurar a ordem nas ruas. Podem esperar mais e mais prisões ¿ disse o premier, quando o número de detidos já chegava a 685.

Aumentando os instrumentos policiais para conter os saques, Cameron autorizou a polícia a usar balas de borracha ¿ uma medida já usada na Irlanda do Norte, mas nunca na Grã-Bretanha. A Scotland Yard, porém, está sob críticas crescentes. A Comissão Independente de Queixas sobre a Polícia disse que não há provas de que Mark Duggan, o jovem morto numa operação policial na quinta-feira, tenha disparado contra agentes. Foi a morte dele que deflagrou os protestos no sábado e a onda de caos seguinte.

Cenário de guerra e prefeito vaiado

Em Londres, o cenário era de guerra, com destroços nas ruas, carcaças de carros queimados e lojas destruídas, e uma população paralisada pelo medo. Em Clapham Junction, moradores não escondiam o temor de novos ataques e a irritação com as autoridades.

¿ A polícia chegou tarde e não fez coisa alguma para evitar que roubassem. O premier fala em encher Londres de policiais, mas a cidade é muito grande ¿ afirmou Dennis, um aposentado que assistia a corrida de cavalos numa casa de apostas em meio a lojas com portas de ferro baixadas.

Do lado de fora, em meio aos que assistiam ao trabalho de rescaldo dos bombeiros, o pedreiro Leslie recordou as cenas que presenciara.

¿ Vi um menino de 13 anos saindo calmamente da loja carregando uma TV quase duas vezes maior. Esses meninos querem apenas roubar, é muito diferente dos distúrbios de 1981 no sul de Londres, em que havia uma revolta contra o racismo da polícia.

Dele, porém, discordavam dois jovens. Kay, um filho de imigrantes jamaicanos de 21 anos e há três desempregado, negou ter participado da confusão, mas disse entender os motivos de quem saiu às ruas.

¿ O governo está cortando os benefícios e, para a polícia, negros como eu somos culpados até prova em contrário. As pessoas têm um limite.

Para Tafal, que também vive de seguro-desemprego, os saqueadores estão mandando uma mensagem:

¿ São ladrões? Sim. Mas para toda ação existe reação. Os saqueadores são pessoas que mal ganham para pagar as contas e não vêem os poderosos darem a mínima.

As opiniões divergentes, porém, ficaram de lado quando o prefeito de Londres, Boris Johnson, apareceu para uma visita. As vaias vieram de todos os lados, bem como as piadas ironizando o fato de o prefeito ter se recusado inicialmente a abreviar as férias nos EUA.

¿ Onde você estava? Agora é tarde ¿ gritou um homem ao ver Johnson.

Em Dalston, região boêmia do bairro de Hackney, o comércio já fechava as portas no início da tarde. A vida noturna também foi afetada: vários bares e restaurantes de não abrir. O Arcola, um dos teatros independentes mais em voga da cidade, cancelou sua programação.

Lojistas cobriram as vitrines com tapumes em Camden. A mudança de rotina teve reflexos até em áreas mais centrais, como Oxford Street, o coração comercial de Londres, que numa cena rara para dia de semana logo cedo fechou as lojas. Os distúrbios tiveram também sua primeira vítima: um homem de 26 anos morreu, baleado, em Croydon.

Numa tentativa de identificar os envolvidos nos ataques, a polícia liberou as primeiras imagens de câmeras de segurança de suspeitos. Mais de 450 detetives foram designados para localizar os saqueadores, na maior investigação criminal já montada pela Scotland Yard.