Título: Contágio da crise deverá vir das commodities
Autor: Barbosa, Flávia; Beck, Martha
Fonte: O Globo, 10/08/2011, Economia, p. 26

TREMOR GLOBAL: Ministro Mantega acredita que a turbulência mundial vai se prolongar por mais dois anos

Presidente cita Lula e diz que o país está mais forte atualmente para enfrentar a crise que em 2008

BRASÍLIA. A perspectiva de uma nova crise econômica brasileira foi recebida pela presidente Dilma Rousseff com sobriedade - em contraponto ao termo "marolinha", usado por Lula para definir a crise de 2008. A avaliação do governo é que o contágio no Brasil se dará pelos preços das commodities, principal item da pauta comercial brasileira. A desaceleração das economias americana e europeia acarretará na queda dos preços das commodities, o que, segundo o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Nelson Barbosa, ajuda a derrubar o dólar e agrava o problema da guerra cambial. Essas questões manterão o Brasil vigilante por um longo prazo.

- Nós estamos percebendo a turbulência que afeta os mercados internacionais. Essa turbulência decorre da crise de 2008, que não foi bem solucionada nos países desenvolvidos. Nós, na verdade, fomos um país que, como dizia na época o presidente Lula, fomos um dos últimos a entrar em crise e um dos primeiros a sair dela. Hoje somos um país mais forte ainda para enfrentar a crise. Estamos preparados para enfrentá-la nesse aspecto que eu chamaria de mais financeiro. Mas o grande enfrentamento da crise não se dá nesse aspecto. O grande enfrentamento é a afirmação do nosso mercado interno, das oportunidades que nós mesmos fomos capazes de criar aqui dentro do Brasil, e obviamente também visando à exportação - afirmou Dilma.

Mantega: mais medidas para segurar o câmbio

Já o ministro da Fazenda, Guido Mantega, afirmou que o governo deverá continuar adotando medidas para segurar o câmbio e dar mais competitividade à indústria nacional. O ministro participou ontem de audiência na Câmara.

Barbosa admitiu que, num primeiro momento, a queda das commodities e do dólar pode até servir para ajudar a conter pressões inflacionárias. No entanto, esse comportamento tem reflexos negativos para as exportações brasileiras.

Segundo o secretário, outras formas de transmissão das turbulências para o país são uma desaceleração maior da Europa e dos Estados Unidos, o que também traz prejuízos aos produtos nacionais, e uma possível crise financeira ou bancária europeia. Esses riscos, porém, são menores, segundo Barbosa.

- Caso haja um crescimento mais lento (europeu e americano), estamos falando de economias que já estavam crescendo pouco, portanto, o impacto é pequeno - afirmou o secretário. - Um terceiro canal seria o financeiro ou bancário, por causa das dívidas dos países na Europa. Mas o Banco Central Europeu já deu sinais, declarações e ações para mostrar que não deixará que eventuais problemas com títulos das dívidas de um ou outro país se desenvolvam em uma crise bancária.

No Congresso, Mantega reafirmou que a crise mundial vai se prolongar pelos próximos dois anos. Para ele, "o cenário hoje é nebuloso", mas já se sabe que os países avançados levarão tempo para conseguir recuperar suas economias. Mesmo assim, o ministro assegurou que o Brasil está preparado:

- O Brasil está hoje bem preparado para suportar até um agravamento da crise.

Maílson: regulação é "AI-5 do mercado cambial"

Durante a audiência, Mantega e o ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega trocaram farpas sobre a forma como o governo vem atuando no mercado de câmbio. Para conter o derretimento do dólar, a equipe econômica acaba de instituir um Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) de 1% para os investidores que aumentarem suas apostas na queda da moeda americana no mercado futuro. Além disso, deu ao Conselho Monetário Nacional (CMN) amplos poderes para regular as operações com derivativos.

- O controle das operações com derivativos é uma violação grave das regras. É o AI-5 do mercado cambial. Não consigo enxergar como um burocrata do Ministério da Fazenda ou do Banco Central possa determinar a margem de uma operação no mercado de derivativos - disse Maílson.

Mantega rebateu:

- O governo continuará tomando medidas para impedir que o real continue se valorizando indefinidamente. Entramos no mercado de derivativos porque encontramos especulação. Foi eficaz, tanto que doeu. Aqueles que defendem o mercado financeiro são aqueles que querem que eles (investidores) façam o que bem entendem. Ouvimos essas reclamações com satisfação.

Maílson, por sua vez, respondeu ao ministro:

- Eu nunca defendi a ampla liberação financeira e não sou porta-voz de nenhum grupo.

O ex-ministro também concordou com o argumento de que o Brasil está preparado para enfrentar os problemas internacionais, mas alfinetou os governos do PT:

- Eu concordo que o país está mais preparado para enfrentar a crise. A política econômica que foi implementada ao longo dos últimos anos, principalmente nos anos do governo Fernando Henrique Cardoso, e que o presidente Lula teve a sensatez de manter, fortaleceu o país.

O ministro de Ciência e Tecnologia, Aloizio Mercadante, que também participou da audiência, afirmou que o governo Lula fez avanços ao incentivar as relações comerciais entre os países do Mercosul, revitalizar os bancos públicos, fomentar investimentos durante a crise de 2008 e adotar programas que aumentaram a distribuição de renda no país.