Título: Mudança de tom
Autor: Barbosa, Flávia; Beck, Martha
Fonte: O Globo, 10/08/2011, Economia, p. 26

Dilma se distancia de Lula ao tratar da crise

O nervosismo no mercado financeiro pode ser semelhante, mas o estilo no Palácio do Planalto é muito diferente na crise atual, com Dilma Rousseff, ao adotado pelo ex-presidente Lula na turbulência global de 2008. Naquele momento, Lula disse a crise no Brasil não passaria de uma "marolinha", que a culpa daqueles problemas era dos "brancos de olhos azuis" e incitava as pessoas a consumir. Dilma tenta tranquilizar a população pedindo "calma e nenhum excesso" e admitindo que "não estamos imunes, não vivemos em uma ilha", reforçando, contudo, que o governo dispõe de armas para se defender.

- O conteúdo que ambos estão dizendo é parecido, talvez com Dilma dando mais ênfase à redução dos gastos públicos que Lula, mais gastador. Mas a forma que eles se expressam é muito diferente. Dilma é mais técnica, Lula falava de improviso, até cometendo pequenos erros técnicos. Muitas vezes ele dizia sua opinião pessoal, que nem sempre era compartilhada com seus assessores. Essa forma de Lula era mais espontânea, engajava mais - avalia Marcelo Simas, cientista político do Iuperj.

A cientista política Célia Pinto, da UFRGS, acredita que além da diferença de estilo, há uma outra visão do papel do político. Ela avalia que Lula se via como líder popular, incumbido da esperança das pessoas, enquanto Dilma, em um estilo que ela classifica como "mais moderno", sente-se responsável.

- Lula se arriscava mais. Foi uma posição muito perigosa. Como se sentiu o trabalhador que perdeu o emprego depois que ele falou que tudo seria uma marolinha? A situação só não ficou ruim para Lula porque a economia se recuperou rápido - avalia a cientista.

Marcus Figueiredo, cientista político da Uerj, afirma que os dois modelos diferentes - de Lula mais popular e Dilma mais comedida - só dão resultado, transmitindo segurança, enquanto a economia reagir bem, ou seja, eles não podem se distanciar da realidade.

Homenageado ontem pelo governador Sérgio Cabral no Palácio Laranjeiras, Lula, ao comentar a crise, defendeu a estratégia do seu governo em 2008. O deputado Miro Teixeira, presente no evento, conta o que o ex-presidente declarou:

- Lula disse que pobre tem de passar a comprar. Tem de comprar carro. Pode até não ter dinheiro para a gasolina, mas fica feliz em botar o carro na porta de casa para o vizinho ver e ficar limpando a calota. (Henrique Gomes Batista e Chico Otávio).