Título: O programa de transplante no Brasil é um sucesso limitado
Autor: Freire, Flavio
Fonte: O Globo, 24/07/2011, O País, p. 14

Pesquisador do Ipea e professor da Uerj, Alexandre Marinho, de 50 anos, passou dois anos debruçado sobre dados do IBGE e da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO). Descobriu o seguinte: homens brancos são os principais receptores dos órgãos doados no país, mesmo sendo as mulheres a maioria da população. A pesquisa "Desigualdade de transplantes de órgãos no Brasil: análise do perfil dos receptores por sexo, cor ou raça" traçou um panorama de quem recebe coração, pulmão, rim, fígado e pâncreas. No caso do coração, por exemplo, em 2007, 75% dos receptores foram homens (56% brancos, 33% pardos, 9% negros e 2% amarelos). No entanto, eles são menos internados do que as mulheres por conta de doenças no aparelho circulatório, e elas morrem mais do que eles por causa do coração. "Já tínhamos evidências sobre esse fato, mas a pesquisa mostra que a desigualdade brasileira chega à alta complexidade, e que o programa de transplante no Brasil é um sucesso limitado", diz Marinho.

Carolina Benevides

O senhor diz que "o programa de transplante no Brasil é um sucesso limitado". Por quê?

ALEXANDRE MARINHO: Nossa capacidade de realizar o procedimento é um sucesso, a medicina brasileira domina o processo. Mas é uma vitória limitada porque se a atenção básica fosse melhor, muitas pessoas nem chegariam a precisar de um transplante. O que leva ao centro cirúrgico é hipertensão, diabetes, cirrose, tabagismo... Agora, além da porta de entrada não funcionar, o SUS trata de maneira desigual uma parte da população.

Como?

MARINHO: Mesmo na lista de espera é preciso se manter com os exames em dia, estar em boas condições. Muitas vezes no SUS uma pessoa não consegue ter acesso ao que precisa na hora em que precisa. Por outro lado, dados mostram que mulheres e negros são os que mais procuram o SUS, mas a pesquisa aponta que não são os que mais recebem transplantes. Não sei se alguém vai conseguir explicar a desigualdade. Nós temos hipóteses, mas trabalhamos com dados públicos, e o que vimos é: disparidade em todos os órgãos analisados no maior sistema público de transplantes do mundo. Mais de 90% (93%, no total) dos receptores de pâncreas eram brancos, nos transplantes de fígado, 81%. Nos de rim, 61% de homens foram receptores, sendo que 55% das mulheres têm insuficiência renal crônica. Queremos mostrar que o problema existe e para isso é preciso informação.

Falta informação?

MARINHO: Falta para pesquisadores e para quem usa o sistema de saúde, o que é prejudicial na hora de captar os órgãos. Poderíamos fazer mais transplantes se as pessoas se sentissem mais bem atendidas no SUS. Uma pessoa que é mal atendida a vida inteira e que não confia no sistema diz não na hora de autorizar a doação.