Título: Em 1 ano, 8 mil saem da lista de transplante
Autor: Freire, Flavio
Fonte: O Globo, 24/07/2011, O País, p. 14

Análise de associações que acompanham pacientes mostra que pessoas podem ter morrido antes de conseguir o órgão

SÃO PAULO. O gestor de logística Edir Rodrigues espera pela doação de um coração, enquanto o ex-metalúrgico Luiz Henrique Lucas e o telefonista Washington Costa só voltarão a respirar sem a ajuda de aparelhos quando conseguirem o transplante de pulmões. Até lá, eles aguardam ansiosamente por doadores, sob o risco de engrossarem uma triste estatística: pelo menos 8 mil pessoas teriam morrido na fila de espera do transplante entre 2009 e 2010, segundo a análise de números do setor e avaliações de médicos e associações que acompanham pacientes em todo o país.

O cenário desolador encontra sustentação nos números do próprio governo. Dados do Ministério da Saúde indicam uma redução significativa de pacientes na fila de espera no ano passado. Em 2009, havia 40.110 pessoas aguardando por um órgão. No ano passado, o volume despencou para 25.814 pessoas.

A redução de 14.296 nomes está longe de acompanhar a curva ascendente de transplantes. No período, foram realizados 6.402 procedimentos, considerado recorde, mas traz à tona o número assustador de pessoas que teriam deixado o cadastro sem atendimento: 7.894. O volume de doações e transplantes levantado pelo GLOBO, assim como as listas de espera, não se referem aos procedimentos com células (medula óssea) e tecidos (córneas, ossos e pele).

- Ainda há um universo muito grande de pessoas que morrem na fila, o que acontece essencialmente pela dificuldade em aumentar o volume de doações e a falta de capacitação dos profissionais de saúde - diz o Tadeu Thomé, coordenador do Departamento de Transplantes da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO).

Sobre a possibilidade de pacientes terem abandonado a fila, Thomé observa com descrença: - É difícil alguém perder o segmento quando a única opção de vida é o transplante.

O Ministério da Saúde argumenta que a unificação do sistema de doação e transplante, realizada há dois anos, foi responsável pela exclusão de nomes duplicados. O ministério não tem, no entanto, informação sobre quantas pessoas estariam nessa situação.

Em São Paulo, estado que concentra o maior número de doadores e transplantes, a taxa de mortalidade nas filas de espera reforça a tese de que muitas vidas estão se perdendo.

Na lista oficial dos que aguardavam por um coração, 40 pessoas (39,8% do total na fila) morreram em 2010 antes da cirurgia. Mais 357 pacientes (28,5%) morreram à espera de um fígado, 15 deles (16,9%) não resistiram na fila do pulmão e outras 798 pessoas (7,7%) que aguardavam por um rim sofreram até a morte.

O Brasil recebeu em 2010 a notificação de 6.979 doadores em potencial, mas 74% dos órgãos foram descartados por não haver condições adequadas para retirá-los, transportá-los ou por qualquer outra ação que impediu o procedimento.

Segundo a ABTO, a lista de causas que impediu doações envolve morte encefálica não notificada (5,4%), parada cardiorrespiratória por falta de cuidado adequado de possível doador (18,3%), infraestrutura inadequada (3%), recusa familiar (25,8%) e contra-indicação (14,2%).

- Há uma barreira enorme na captação. É preciso colocar nos hospitais profissionais exclusivos, que identifiquem e supervisionem quem poderá ser doador - diz o diretor da Divisão Cirúrgica do Instituto do Coração (Incor), Noedir Stolf, lembrando que só no Incor entram por ano em média 150 pacientes na fila de espera.

- Temos que melhorar a formação médica em número e qualidade. Não é verdade que o país não precisa mais de médico. Precisa-se distribuir mais por especialidade e região - diz o secretário de Assistência à Saúde do ministério, Helvécio Magalhães, argumentando que o Brasil é hoje o país com o maior número de transplantados pelo sistema público de saúde.

Apesar das dificuldades, o número de doadores de órgãos aumentou de 2009 para 2010. Em 2010, o volume de doações efetivas desses chamados órgãos sólidos foi de 1.898 pessoas, contra 1.658 em 2009. Considerando 190 milhões de habitantes, a parcela de doadores é de 0,0009%.

As estatísticas sobre o 1º trimestre de 2011 acendem uma luz amarela. O volume de doadores registra uma taxa 8,3% menor que o mesmo período de 2010, segundo a ABTO. Consequentemente, o número de transplantes também registra redução: queda de 6% no cardíaco; 8,1% no renal; 11,4% no hepático e 47,5% no pulmonar. A situação é pior no Norte. Naquela área, cinco estados (Amazonas, Amapá, Roraima, Rondônia e Tocantins) nunca registraram um doador.