Título: Prova nas urnas à invencibilidade de Cristina
Autor: Figueiredo, Janaína
Fonte: O Globo, 14/08/2011, O Mundo, p. 38

Argentinos estreiam hoje em primárias com jeito de eleição geral, e resultado pode fortalecer a oposição

BUENOS AIRES. Após a morte do ex-presidente argentino Néstor Kirchner, há quase dez meses, sua viúva e sucessora, a presidente Cristina Kirchner, passou a ser considerada a grande favorita para as eleições presidenciais de 23 de outubro. Nos últimos tempos, porém, a Casa Rosada sofreu uma sucessão de derrotas em pleitos provinciais que fortaleceram a oposição e, também, a ideia de que Cristina não é invencível. O governo continua confiando numa vitória no primeiro turno, mas os candidatos rivais já sonham com uma disputa mais acirrada.

Depois de meses de sensações e opiniões contrapostas, hoje será o dia da verdade para a presidente e seus adversários. Pela primeira vez na História da Argentina, serão realizadas eleições primárias, segundo estabelece a nova lei eleitoral, aprovada por iniciativa do governo Kirchner no final de 2009. O objetivo inicial das primárias argentinas era definir quem seriam os candidatos de cada um dos partidos. No entanto, a decisão já foi tomada internamente, e as primárias se transformaram numa grande consulta nacional sobre todos os cargos em disputa nas urnas em outubro. Os 28,6 milhões de eleitores estão obrigados a escolher candidatos a presidente, governador (em quatro províncias), deputado, senador e vereador. E mesmo se forem filiados de um partido, os argentinos poderão votar em qualquer candidato, de qualquer partido.

Presidente espera obter mais de 40% dos votos hoje

A confusão é grande entre os eleitores. Semana passada, pesquisas mostraram que cerca de 50% dos argentinos não sabiam exatamente o tema da votação de hoje. Mas, para o governo e a oposição, o cenário está bem claro. A presidente espera obter mais de 40% dos votos e uma diferença superior a dez pontos percentuais em relação ao segundo colocado, resultado que, em outubro, lhe garantirá a vitória no primeiro turno. Já seus principais rivais realizaram uma campanha frenética por todo o país - todos na expectativa de conseguir o segundo lugar, numa posição não muito distante de Cristina.

Se a jogada da oposição der certo, analistas locais acreditam que a maioria dos eleitores refratários a um terceiro mandato da família Kirchner optará em outubro pelo candidato com melhor resultado nas primárias. Será uma espécie de voto útil contra o kirchnerismo.

A disputa entre os opositores envolve o deputado radical Ricardo Alfonsín, filho do ex-presidente Raúl Alfonsín (1983-1989), a deputada da Coalizão Cívica Elisa Carrió, e o ex-presidente peronista Eduardo Duhalde (2002-2003). O socialista Hermes Binner, governador da província de Santa Fé, é outra opção, mas sem grandes chances de tornar-se o principal candidato da oposição. No total, dez candidatos à Presidência participarão das primárias e, em alguns casos, poderiam não alcançar 1,5% do total dos votos (cerca de 400 mil) exigidos pela lei para disputar a eleição de outubro.

- Este será o verdadeiro teste do governo - opinou Carlos Fara, da Fara e Associados.

Opositores cruzaram país na tentativa de mobilizar eleitor

Segundo ele, a eleição será simbólica e, no caso da oposição, pode levar alguns a reverem a decisão de concorrer.

Para Sergio Berenztein, da Poliarquia, "as primárias mostrarão o peso relativo de cada candidato".

- Cristina é a candidata mais forte, disso não há dúvidas - afirmou o analista, que continua apostando numa possível reeleição dela no primeiro turno.

Berenztein explica de maneira muito simples a liderança de Cristina: com a morte de Kirchner reduziu-se a rejeição ao kirchnerismo e, paralelamente, a oposição ampliou suas divisões. Cristina foi beneficiada, ainda, por um ciclo econômico positivo.

A campanha da oposição foi frenética. Os candidatos viajaram por todo o país e deram dezenas de entrevistas em rádio e TV, ao contrário da presidente, que se limitou a participar de atos públicos. Alfonsín terminou exausto e gripado. Nos últimos dias, o candidato radical insistiu em defender a necessidade de "uma mudança segura" no país e terminar com as mentiras do kirchnerismo, entre elas, a suposta ausência de inflação. Alfonsín contratou assessores americanos e também contou com a colaboração do ex-ministro Roberto Mangabeira Unger.

- (Com Mangabeira) Conversamos sobre assuntos muito interessantes, sobretudo a ideia de que existem instituições públicas que deveriam promover o desenvolvimento econômico, mas, na realidade, estão em função das grandes empresas - contou o candidato ao GLOBO.

Carrió, que nas presidenciais de 2007 ficou em segundo lugar, disse ter percorrido 13 mil quilômetros em três semanas. A candidata é uma das únicas que se atrevem a criticar o luto presidencial:

- Eu estaria de luto uma semana. Por um marido, isso é suficiente. O resto é teatro.

Duhalde terminou a última semana de campanha com terríveis enxaquecas. Na quarta-feira, o ex-presidente pretendia participar de um encontro com moradores do bairro de Belgrano, mas quem terminou caminhando pela Avenida Cabildo foi o ex-presidente do Banco Central e candidato a deputado Martin Redrado, um dos principais aliados de Duhalde.

- Esta eleição se transformou em verdadeiro impulso para a oposição - aposta Redrado.