Título: Um discurso envergonhado
Autor: Lima, Daniela
Fonte: Correio Braziliense, 22/08/2009, Política, p. 3

Em 23 minutos, Mercadante fez malabarismo de oratória para justificar permanência no cargo de líder da bancada petista no Senado. No fim, pediu desculpas aos militantes que cobraram a saída dele do cargo

Mercadante: ¿O presidente Lula me deixa numa situação em que eu não tenho como dizer não¿

O senador Aloizio Mercadante (PT-SP) subiu à tribuna do Senado com uma missão difícil de cumprir. Precisou de 23 minutos para explicar ao eleitorado como, em 24 horas, havia desistido de deixar o cargo de líder da bancada petista na Casa em caráter irrevogável. Fez uma costura complexa para mandar seu recado. Iniciou o pronunciamento dizendo-se desiludido e frustrado, enumerando erros cometidos pelo PT e pelo governo. Disse que era um sacrifício permanecer na liderança e reconheceu que havia perdido interlocução com outras correntes do plenário, como o presidente José Sarney (PMDB-AP). Depois, colocou nas costas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a culpa pela desistência.

Leu uma carta enviada pelo presidente na manhã de ontem, pouco antes de iniciar seu pronunciamento. No documento, Lula pede a Mercadante que permaneça no cargo. ¿Mais uma vez na minha vida, o presidente Lula me deixa numa situação em que eu não tenho como dizer não. Não tenho. Não tenho, como não tive muitas vezes¿, justificou, por fim.

A notícia já era esperada. Antes de Mercadante chegar ao plenário, o senador João Pedro (PT-AM) ¿ que chegou a ser cotado para ficar na vaga do paulista na liderança ¿ havia adiantado em seu Twitter o recado. ¿O Mercadante fica¿, escreveu.

Na prática, a permanência do senador paulista na liderança no PT é uma boa saída tanto para ele quanto para a legenda. Com o apoio do Planalto, Mercadante poderá trabalhar para refazer alianças, e garantir um palanque para 2010. O partido, por sua vez, pacifica os rumores sobre um racha interno. ¿Eu apoio a posição dele. Foi uma medida acertada. Temos que ter uma unidade em torno da candidatura da Dilma e temos que ter unidade para auxiliar o governo. Recuperamos isso¿, avaliou o líder do PT na Câmara, Cândido Vaccarezza (PT-SP).

Solidariedade Mas Mercadante mandou recados a membros da legenda. Disse, por exemplo, que era petista antes de o PT existir. Ressaltou sua participação na criação e trajetória do partido e do próprio presidente Lula. Enumerou os pares da bancada que lhe foram solidários. Deixou de fora o senador Delcídio Amaral (PT-MS), que lhe fez críticas públicas, após desavenças por conta da crise de José Sarney. ¿Ali, naquele momento da história (na fundação do partido), ninguém foi para o PT para ter um cargo. Não foi fácil chegar aonde nós chegamos. Eu estou desde a primeira hora¿, disse. Delcídio se filiou ao PT nas eleições de 2002, e chegou a cogitar uma adesão ao PSDB.

Ao final do pronunciamento, Mercadante pediu desculpas aos militantes que cobravam a sua saída. Mas a resposta veio no mesmo veículo que ele usou para dizer que iria deixar a liderança. A página do senador no Twitter foi o púlpito escolhido pelo eleitorado para debater o recuo do senador. ¿Suas palavras não me sensibilizaram. Onde está a sua dignidade?¿, cobrou um internauta.